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Autoconhecimento, defeito dominante e seus disfarces


O Defeito Dominante

O ser humano é complexo e as suas falhas de comportamento são, por consequência, complexas e diversas. Para não perder-se, é necessário que oriente o conhecimento próprio de modo a achar a falha estrutural da sua maneira de ser.

Porque, se é verdade que todos nós temos vários defeitos, também é verdade que, ao menos em cada fase da nossa vida, há sempre um que predomina. Esse defeito é como que o nosso calcanhar de Aquiles, aquele ponto fraco que causa e explica, ao fim e ao cabo, todo o leque das nossas deficiências.

Os teólogos falam de sete defeitos principais e que dão o nome de "pecados capitais": a soberba, a ira, a inveja, a luxúria, a gula, a avareza, a preguiça. Chamam-se capitais porque são a raiz e a fonte de todas as falhas de comportamento: são o que as causa e as faz proliferar em mil erros aparentemente sem relação entre si. Pôr a descoberto o defeito dominante é encontra a chave para decifrar a causa das incoerências do nosso comportamento e superar de um só golpe muitas situações de mal-estar íntimo ou de estagnação.

Efeito Multiplicador

Um primeiro critério de avaliação para identificarmos o defeito dominante é justamente procurarmos saber se há uma causa única ou preponderante para os nossos erros práticos.

Suponhamos que uma pessoa note que é habitualmente inconstante, que com frequência fala demais, que é excessivamente condescendente no trato com os filhos; que os colegas o acham cumpridor, mas um perfeito burocrata; que os vizinhos o louvam e de passagem se aproveitam do seu espírito pacífico; que se desgosta com facilidade e é um triste. Que têm a ver entre si essas atitudes tão diferentes umas das outras? Se aprofundar no conhecimento próprio, talvez essa pessoa chegue à conclusão de que é simplesmente um enorme preguiçoso.

O mesmo se poderia dizer de qualquer dos outros erros de base que pode haver na natureza humana. Diz São Tomás que um vício tão bem disfarçado como a avareza leva nada menos do que à inquietação permanente, à dureza, à injustiça, à traição, à fraude e à violência.

Ora, tudo isto indica que, enquanto o defeito de fundo não for desmascarado e combatido, continuarão a manifestar-se em nós outros defeitos mais ou menos exuberantes ou até humilhantes, porque essa raiz amarga irromperá violentamente ou nos acompanhará como uma sombra. Esta onipresença de efeitos é o que nos permite identificar o defeito dominante.

Aparência de Virtude

Outra característica do defeito dominante é que, além de estar escondido, muitas vezes se mascara sob a aparência de virtude. 

Assim acontece, por exemplo, quando alguém, sob o argumento de que não é ambicioso, acomoda-se no cumprimento do seu dever profissional, ou por falsa humildade abre mão, na família ou no trabalho, de direitos que são deveres, ou por mal entendida compreensão para com as idéias dos outros transige nos princípios básicos da conduta pessoal.

Os exemplos são inúmeros. Não é que o pai de família seja um liberal; é um fraco, o que é muito diferente. Não é que aquele seja um homem empreendedor, consciente do valor social das riquezas; é um avarento. Este não é bondoso, é apenas bonzinho, um sentimentalóide desfibrado. Aquele não é um homem sereno e isento, mas um apático; e aquele outro não é um homem superior, um homem de critério, mas um linguarudo e um invejoso. E este aqui, será um intuitivo ou um preguiçoso? Etc.

Por isso, é muito importante examinar a contraluz o motivo real das nossas ações e comportamentos, de modo a apurar se aquilo que em nós parece definir a nossa maneira de ser, na verdade não passa do nosso temperamento em estado bruto. Enquanto não o polirmos, é justamente onde vemos a nossa principal virtude que pode estar embutido o nosso principal defeito.

Justificativas e Críticas

A auto-defesa e o seu reverso - a crítica aos outros - são mais um elemento válido para descobrirmos o nosso defeito dominante. O que é que mais nos obriga a justificar-nos, aos nossos próprios olhos e perante os outros? E paralelamente, o que é que nos irrita nos outros?

Podemos achar que temos motivos de sobra para ser agressivos, rudes e desconfiados. Justificamos essa nossa maneira de ser falando, por exemplo, da deslealdade que impera no mundo dos negócios: que não podemos ser ingênuos, que o mundo está cheio de trapaceiros.

Pode ser que até o presente essa nossa maneira de ser nos tenha proporcionado sucessos, por exemplo, no campo profissional; mas quantas pessoas há, bem sucedidas profissionalmente, que, por não olharem a meios para atingirem os seus fins, são duras e desumanas, mais suportadas que respeitadas ou amadas! E esses homens vivem tendo que justificar-se pelos sentimentos de rivalidade, pelos atritos e ressentimentos que semeiam à sua volta. O tufão supera os obstáculos, mas arrasa tudo por onde passa.

Por outro lado, aquele que agride habitualmente tende a considerar-se agredido. Tudo o desgosta nos outros. Vê os outros à sua semelhança. Disse Cristo: Por que vês a palha no olho do teu irmão e não vês a trave que tens no teu?(Mt 7,3). Quantas vezes, se tirássemos a cortina de sujeira que obnubila a nossa visão, simplesmente desapareceria qualquer cisco no comportamento dos outros.

Esta linha contínua e desgastante de auto-defesas e críticas pode estar apontando precisamente um defeito de raiz que, ao contrário, exigiria de nós uma auto-acusação lúcida e fecunda.

Críticas Certeiras

Há aspectos do nosso comportamento que nos escapam porque temos dificuldade em ver-nos a nós próprios. O olho que enxerga a quilômetros de distância não enxerga o outro olho que tem ao lado. Os outros nos vêem melhor, sobretudo as pessoas que convivem conosco. Detectam coisas que nós passam por alto por subjetivismo ou imediatismo.

É preciso pensar, por exemplo, por que razão coisas bem intencionadas e objetivamente boas que fazemos, às vezes produzem efeitos contrários aos que esperávamos. Matamo-nos de trabalhar pela família, chegamos a casa tarde e cansados, e a família não só não nos agradece, mas nos critica. Somos pessoas extremamente ordenadas, mas os amigos e os familiares nos dizem que somos egoístas e indisponíveis. Ou não temos o sentido da verdadeira hierarquia e proporção no cumprimento de todo o arco-íris dos nossos deveres.

É o caso da mãe de família com filhos pequenos, a quem a limpeza e a ordem da casa absorvem totalmente, porque da manhã até à noite vive repondo no seu lugar e limpando as coisas que os filhos sujam ou desarrumam. Está fazendo uma coisa boa e, no entanto, o marido ou as amigas lhe dizem que é perfeccionista, que o que faz é prejudicar a atenção e o carinho de que os filhos necessitam.

É preciso abrir-se a essas críticas, descer do pedestal em que às vezes nos colocamos e pensar que, quando mais parece que temos razão, mais devemos desconfiar de que podemos não ter nenhuma. Essas críticas, por muito que nos humilhem ou transtornem, devem representar, num segundo momento, um convite à reflexão, pois serão uma pista valiosa para descobrirmos o que há de errado ou incompleto na nossa maneira de ser.

J. Malvar Fonseca. Conhecer-se. São Paulo: Quadrante, 1998. p.11-16
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