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Ai de vós os que rides

Bento XVI

Devemos ainda formular duas perguntas que pertencem à compreensão de todo o conjunto. Em S. Lucas, seguem-se às quarto bem-aventuranças por ele transmitidas quatro maldições: “Ai de vós ricos... Ai de vós, os que agora estais saciados... Ai de vós, os que agora rides… Ai de vós quando todos vos louvam…” (Lc 6,24-26). Estas palavras nos assustam. O que é que devemos reter daqui?

Em primeiro lugar devemos verificar que Jesus segue aqui o esquema que encontramos em Jeremias, capítulo 17, e no salmo I: à descrição do caminho correto que conduz o homem à salvação é contraposto um quadro que desmascara as falsas promessas e ofertas e que deve impedir o homem de percorrer o caminho que terminaria num precipício mortal. O mesmo havemos de encontrar na parábola do libertino rico e do Lázaro pobre.

Quem compreendeu corretamente o itinerário da esperança, quer encontramos nas bem-aventuranças, reconhece aqui simplesmente as atitudes contrárias, que fixam o homem nas aparências, na provisoriedade, na perda da sua elevação e profundidade e, assim, na perda de Deus, e portanto o pervertem. Deste modo se torna compreensível a autêntica intenção deste quadro de advertência: as maldições não são condenações; não são uma expressão de ódio ou de inveja ou de hostilidade. Não se trata de condenação, mas sim de aviso que quer salvar.

Mas agora se levanta a questão fundamental: está certa esta direção que o Senhor nos mostra nas bem-aventuranças e nas opostas maldições? É realmente mau ser rico, estar saciado, rir, ser louvado? Friedrich Nietzsche fez incidir a sua severa crítica ao cristianismo precisamente neste ponto. Não é a doutrina cristã que deve ser criticada: é a moral do cristianismo que deve ser desmascarada como o “pecado capital contra a vida”. Em com a “moral do cristianismo” ele entende precisamente a direção que o Sermão da Montanha nos indica.

“Qual foi sobre a terra até agora o maior pecado?” Não foi a palavra daquele que disse ‘Ai de vós os que aqui rides’?”. E às promessas de Cristo ele contrapõe: não queremos nenhum reino dos céus. “Nós somos homens, e por isso queremos o reino da terra”.

A visão do Sermão da Montanha aparece como uma religião do ressentimento, como inveja dos covardes e dos incapazes, que não cresceram para a vida e que então, com as bem-aventuranças, querem tirar vingança da sua desistência e do insulto dos fortes, dos que são bem-sucedidos na vida, dos felizes. Ao vasto olhar de Jesus é contraposto um suculento aquém – saborear até a exaustão a vontade, o mundo e as ofertas da vida, procurar o céu aqui e em nada se deixar inibir por nenhum escrúpulo.

Muito disto passou para a consciência moderna e determina amplamente o sentimento da vida hoje. Ora, o Sermão da Montanha formula a questão acerca da opção fundamental cristã, e como filhos deste tempo sentimos a interior resistência contra esta opção – mesmo se, no entanto, nos toca a estima dos humildes, dos misericordiosos, dos construtores da paz, dos homens puros. Depois das experiências dos regimes totalitários, depois do modo brutal como pisaram nos homens, escarneceram, escravizaram, esmagaram os fracos, compreendemos melhor os que têm fome e sede de justiça; descobrimos de novo os que choram e o seu direito à consolação. Perante o abuso do poder econômico, perante a crueldade de um capitalismo que degrada o homem a simples mercadoria, descobrimos também os perigos da riqueza e compreendemos o que Jesus queria dizer com o aviso acerca da riqueza, acerca do ídolo Mamom que estraga o homem, que mantém grande parte do mundo na sua cruel corda de estrangulamento. Sim, as bem-aventuranças opõem-se ao nosso espontâneo sentimento de ser, à nossa fome e sede de viver. Elas exigem “conversão” – uma mudança interior da direção espontânea, para a qual gostaríamos de ir. Mas nesta mudança se manifesta o que é puro e mais elevado, o nosso ser ordena-se corretamente.

O mundo grego, cujo gusto pela vida aparece tão admiravelmente nos poemas homéricos, tinha a este respeito uma consciência profunda, ao dizer que o autêntico pecado do homem, o seu perigo mais profundo, é a hybris, o arrogante autodomínio, no qual o homem a si mesmo se eleva a divindade, quer ser ele mesmo o próprio Deus, para possuir totalmente a vida e esgotar tudo o que a vida sempre tem para lhe oferecer. Esta consciência – de que a verdadeira ameaça do homem radica na autoglorificação triunfante, que num primeiro momento aparece tão evidente no Sermão da Montanha – é levada, a partir da figura de Cristo, a toda a sua profundidade.

Bento XVI, Jesus de Nazaré.
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