"O mito não é uma mentira, mas também não precisa ser verdade (...) O importante é a fé que ele sugere. O importante é reconhecer que ele está a serviço de uma verdade superior, porque não cabe no tempo (...). O mesmo não se dá com as nossas convicções religiosas?"
Para Pe. Fábio, nossas convicções religiosas são como o mito que sempre simboliza algo diferente de si mesmo. Uma das regras fundamentais do que chamam "semiologia" é compreender que o símbolo não fala de si mesmo. No entanto, nossas convicções religiosas não se assemelham ao mito. Quando dizemos, por exemplo, que Maria Santíssima é perpetuamente Virgem, isto não é simbólico. Claro que a circunstância literal de uma dada característica, a pobreza da Virgem, por exemplo, pode elevar-se tao nível de simbólico, como quando dizemos que ela teve um coração pobre, ou um espírito pobre, mas esta possibilidade não exclui o aspecto literal. Há passagens na bíblia que são dotadas somente de sentido simbólico, mas generalizar as verdades da Fé a este nível, na expressão usada pelo padre, "é, no mínimo, irresponsável", forma "mais doce" de dizer que é herético. Quando reputamos as nossas "convicções religiosas" a um nível puramente simbólico, afirmamos forçosamente a total flexibilidade destas mesmas convicções. O que é meramente simbólico pode ser substituído, pois o essencial não é o símbolo, mas aquilo que ele simboliza.
Podemos abordar a questão, também, de uma outra forma: Conforme vimos com a teologia negativa, todo conceito se utiliza de fórmulas, que são símbolos. Assim, o conjunto de letras "S" "A" "L" "V" "A" "Ç" "Ã" "O" simboliza uma idéia. Esta mesma idéia pode ser representada por outros símbolos, como a palavra "REDENÇÃO", por exemplo. Quando lemos tais termos, não nos atemos à existência imediata das letras, mas àquilo que elas simbolizam. Neste sentido, toda a linguagem verbal é simbólica. Porém, não acredito que foi neste sentido que Pe. Fábio quis se expressar.
Uma última possibilidade de interpretação do que ele disse acima, seria a de que, como o mito, as nossas convicções religiosas não cabem no tempo. Se for assim, é verdade.
Quanto à questão da "cristificação do universo", acredito que isto pode ser usado de forma ortodoxa, ou não. O termo, tirado da filosofia de Chardin, parece evocar, a princípio, uma idéia panteísta, que tenderia a ver o Cristo como imanente às criaturas. E isto é herético.
Na forma ortodoxa, no entanto, o termo refere-se ao que os orientais chamam de "deificação", ou o que, mais comumente, chamamos de santificação. Assim como, pelo pecado de Adão, a terra foi maldita (Gn 3,17) e, desde então, ela espera a manifestação dos filhos de Deus (Rm 8,22), assim também ela viria a sofrer as consequências da santificação dos homens. Isto seria o processo de cristificação. Entendendo desta forma, como Pe. Fábio parece fazer, eu, particularmente, não vejo problemas.
Há, porém, uma possível problemática sobre aquela questão da crítica à "pregação desencarnada". O padre lembra o pressuposto da Antropologia Teológica, segundo o qual, o homem é um composto de corpo e alma, o que é corretíssimo. Mas, a partir do momento em que se sabe disso, não se deve estabelecer uma igualdade de valor, mas dispor este composto segunto uma correta hierarquia. Da mesma forma que uma "pregação desencarnada" seria errada, assim como o fizeram os hereges cátaros, também uma outra que igualasse em valor corpo e alma seria igualmente funesta. De fato, como o físico se submete e ordena-se ao espiritual, assim também o corpo submete-se e ordena-se à alma. Esta é mais excelente, embora não se deva negar o valor daquele. Portanto, o dever prioritário da Igreja é, sim, o de salvar almas. É isto o que diz Nosso Senhor: "Não temais os que matam o corpo; temais, antes, Aquele que pode mandar o corpo e a alma para o inferno" (Mt 10,28). Neste ponto, Pe. Fábio parece conceber uma igualdade de valor entre corpo e alma, o que é estranho a um católico... que diria, então, a um sacerdote.
Depois, Pe. Fábio fala da expressão "Povo de Deus" como superação conceitual à expressão "Barca de Pedro", incluindo aí o tema do ecumenismo. Obviamente, a primeira expressão é mais abrangente, visto que a "barca" tem limites muito bem definidos. Para defender esta abrangência (o que é uma atitude bem mais confortável), o padre evoca o significado etimológico do termo "católico" que significa "universal".
Façamos alguns questionamentos sobre isso: não seria mais próximo de uma proposta "universal" uma atitude que fosse ecumênica? E o que se entende por ecumenismo? Seria uma inclusão irrefletida de toda diferença doutrinal dentro do conjunto do "povo de Deus"? Se se entender dessa forma, temos aí um total descompromisso e desrespeito com a Verdade. Esclareçamos, portanto, algumas coisas.
Há, hoje, dentro da Igreja, uma visão falsa que tenta se estabelecer: a de que todos os homens se salvarão. Para isto, usa-se de uma errada interpretação da misericórdia divina, que chega às raias de entender como crueldade o atributo da Justiça de Deus. Certos românticos acreditam que Deus não enviaria ninguém para o inferno.. e de onde tiram isto? Não é da Tradição nem das Escrituras, que dizem justamente o contrário. Se está garantida a Salvação de todos, o que fazemos nós defendendo o rigor de práticas religiosas? Tudo fica flutuante, visto que o fim a que se ordenam já está garantido. Seria como um atleta da corrida São Silvestre que, tendo garantido o seu troféu, correria apenas por capricho. Seria ainda a implicância prática da crença luterana, a Sola Gratia, segundo a qual não importa o que façamos, o esforço humano de nada vale.
Esse reconhecimento nos leva a questionar se a doutrina protestante não adentrou sorrateiramente em certos ambientes eclesiais, difundindo suas inverdades heréticas.
A busca por abranger sem limites e sobre todo critério doutrinal, as vias da salvação, como se o caminho não fosse estreito (Mt 7,13), se funda neste falso pressuposto de que todos os homens se salvarão. Será que não é baseado nisto que a Igreja Católica no Brasil reluta em corrigir a fórmula da Consagração do Sangue do Senhor, que diz "por muitos" ao invés de "por todos"?
Se, porém, tal pressuposto é errado, em que sentido se pode falar de universal? Respondo: no sentido de que a Igreja deve evangelizar e converter os homens de todos os lugares. "Ide e ensinai", "Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer, será condenado". Estas determinações são categóricas e nada se encontra de tolerância nelas. A conversão se dá pela adesão à Fé da Igreja, aceitando-se a sua doutrina sem concessões. A Igreja é universal porque o mundo deveria ser católico.
E a questão ecumênica? Há muitos que falam disso de forma desonesta, como se ela fosse uma atitude de respeito ao erro; bem... pelo menos não deveria ser entendida assim. O ecumenismo, na sua correta compreensão, é a aproximação da Igreja aos que dela não fazem parte a fim de, no processo de diálogo, convertê-los à verdadeira religião pela exposição clara da Verdade. Como dizia S. Francisco de Assis, "quando a bandeira da Verdade se ergue, todas as demais têm que descer", ou mesmo como dizia o Cristo: "Aquele que tropeçar nesta pedra, far-se-á em pedaços; e aquele sobre quem ela cair será esmagado" (Mt 21,44), dando com isto a entender que o erro não tem como resistir diante da Verdade.
Sem, porém, esta intenção da exposição da verdade e da conversão dos não católicos, não há ecumenismo. Este só se dá se se aceita a superioridade da doutrina católica.
"Acenar com carinho e respeito os que estão em barcas diferentes", se for aceno dotado de caridade, consistirá numa chamada para a única barca verdadeira. Não há notícias de outros barcos que tenham resistido ao dilúvio, a não ser o de Noé. Hoje, também, a única barca na qual há Salvação é a barca de Pedro, onde o Senhor mesmo está presente. Chamar os outros para saírem de suas frágeis barcas é uma atitude de amor. Contentar-se em deixá-los lá, é respeito humano. Entre estes dois, amor e respeito humano, há um abismo enorme.
Depois eu termino...
Fábio.
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