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Misericórdia Divina, Perda da Graça e a Baixeza do Pecado


Diálogo entre Santa Catarina de Sena e Deus Pai.

Catarina - Ó misericórdia divina, que disfarças os defeitos humanos! Não me espanto de que digas a quem deixa o pecado mortal e volta a ti: "Não me lembrarei mais de que me ofendeste". Não, misericórdia inefável, não me espanto de que fales assim a quem se converte. Surpreende-me que digas sobre os que te combaem: "Quero que oreis por eles, a fim de que eu os perdoe".

Ó misericórdia, Pai, que procede da tua divindade e que, pelo teu poder, governa o mundo inteiro. Tua misericórdia nos criou, tua misericórdia nos recriou no sangue de teu Filho, tua misericórdia nos conserva. Foi ela que levou Jesus a atirar-se aos braços da cruz na batalha da vida contra a morte, da morte contra a vida. Então a vida venceu a morte do pecado, enquanto a morte que vem do pecado destruiu a vida física do Cordeiro sem manchas. Mas quem foi o vencido? A morte! Quem o vencedor? Tua misericórdia.

Tua misericórdia produz a vida, concede a luz, revela o Espírito em todos os homens, santos e pecadores. Reluz nas alturas do céu, em teus santos; e, se me volto para a terra, como ela é abundante aqui! Tua misericórdia brilha mesmo na escuridão do inferno, porque não dá aos condenados todo o castigo que merecem. Com tua misericórdia mitigas a justiça; por tua misericórdia nos lavaste no sangue; por misericórdia vieste conviver com os homens.

Ó louco de amor! Não te foi suficiente nascer, quiseste até morrer; não te foi suficiente morrer, desceste à mansão dos mortos, de lá retirando os antigos pais, a fim de realizar neles a verdade e a misericórdia. Porque prometes o prêmio a quem te serve com retidão, desceste ao limbo para libertar os que te haviam servido, dando-lhes a recompensa pelos cansaços.

Vejo que a misericórdia te obrigou a conceder mais coisas ainda aos homens; ficaste como alimento! Por sermos fracos, a Eucaristia nos alimenta; por sermos faltosos e esquecidiços, nos recorda os teus benefícios. Eis por que nos dás todo dia esse alimento, fazendo-te presente no sacramento do altar mediante a hierarquia da santa Igreja. Quem faz tudo isso? Tua misericórdia.

Ó misericórdia, afoga-se o meu coração ao pensar em ti! Para qualquer lado que me volte, só encontro misericórdia.

Deus Pai - Filha muito querida, discorreste diante de mim sobre a misericórdia, porque eu te fiz compreender a profundidade daquela afirmação: "Estes (os pecadores) são as pessoas por quem peço que rezeis". Mas procura entender que minha misericórdia é infinitamente maior do que pensas. Tua capacidade é imperfeita, limitada, ao passo que perfeito e infinito é o meu perdão. Impossível fazer comparações, senão aquela da finitude com o Infinito. Quis que experimentasses o que é tal misericórdia, bem como qual seja a dignidade do homem, revelada a ti antes. Quero que entendas melhor a maldade e crueldade dos pecadores, que vão pelo rio do pecado. Começam a conceber o mal no próprio íntimo, enfermando-se; depois o praticam exteriormente e perdem a graça.

Afogados no rio do falso amor mundano, eles morrem para a graça. Assemelham-se ao cadáver, privado de sensações, que já não se move a não ser carregado por outros. Nos pecadores, assim "mortos", a memória já não retém a recordação da minha misericórdia, a inteligência não compreende minha verdade, preocupada que está com a própria sensualidade e a pessoa, a vontade permanece insensível à minha vontade e apega-se às realidades mortas. Com a morte destas três faculdades, toda a vida interna e externa do pecador se esvazia quanto à graça. O pecador já não consegue defender-se dos inimigos, já não reage sem meu auxílio. Sempre é verdade, porém, que este "morto" possui o livre arbítrio durante esta vida mortal no corpo, e, ao implorar socorro, sempre o terá de mim. Mas, sozinho, nada fará. O pecador é insuportável a si mesmo; pretendendo ser o dono do mundo, deixa-se dominar pelo nada, o pecado. Sim, o pecado é um nada..., e tais pessoas são seus escravos!

Os pecadores haviam recebido a graça no santo batismo; deles eu fizera árvores de amor. Transformaram-se em árvores de morte, pois estão mortos, como disse antes. Sabes onde nascem suas raízes? No solo do orgulho. Sua seiva é o egoísmo; medula, a impaciência; rebento, a falta de discernimento. São esses os quatro vícios principais do homem que se tornou árvore de morte com a perda da graça. No seu íntimo vive o verme do remorso, mas é pouco sentida sua presença devido à cegueira do egoísmo.

Como alimento desta árvore brota o orgulho, a pobre alma vive cheia de ingratidão, que dá origem a todos os males. Se o pecador tivesse gratidão pelos benefícios recebidos, conhecer-me-ia, conheceria a si mesmo em mim, amar-me-ia. Mas ele é um cego que vai tateando pelo rio do pecado, inconsciente de que as águas não o esperam.

Os frutos mortais desta árvore são tão numerosos quanto os tipos de pecado.

Uns são alimentos de animais para os que vivem na imundície, revolvendo o corpo e o espírito na lama da carne, à semelhança do porco no chiqueiro. Ó homem embrutecido! Onde deixaste a tua dignidade? Eras irmão dos anjos e agora não passas de um feio animal!...

Tais pessoas vivem em tal baixeza, que não somente eu, suma pureza, apenas consigo tolerá-los; até os demônios, dos quais se fizeram amigos e escravos, não agüentam diante de pecados tão imundos. Nenhum pecado é abominável como este, nem há outro que tanto escureça a inteligencia humana. Os filósofos (pagãos), que não possuíam a luz da fé, compreenderam isso através da natureza; para melhor estudar, guardavam a continência. Também afastavam de si as riquezas, a fim de que sua preocupação não lhes envolvesse o coração. Não age assim o falso cristão; cheio de maldade, por própria culpa perde a graça.

Santa Catarina de Sena, O Diálogo. 
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