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A vocação do artista

Venerável João Paulo II

Nem todos são chamados a ser artistas, no sentido específico do termo. Mas, segundo a expressão do Gênesis, todo o homem recebeu a tarefa de ser artifice da própria vida: de certa forma, deve fazer dela uma obra de arte, uma obra-prima.

É importante notar a distinção entre estas duas vertentes da atividade humana, mas também a sua conexão. A distinção é evidente. De fato, uma coisa é a predisposição pela qual o ser humano é autor dos próprios atos e responsável do seu valor moral, e outra a predisposição pela qual é artista, isto é, sabe agir segundo as exigências da arte, respeitando fielmente as suas regras específicas. Assim o artista é capaz de produzir objetos, mas isso de per si ainda não indica nada sobre as suas disposições morais. Neste caso não se trata de plasmar-se a si mesmo, de formar a própria personalidade, mas apenas de fazer frutificar capacidades operativas, dando forma estética às idéias concebidas pela mente.

Mas, se a distinção é fundamental, importante é igualmente a conexao entre as duas predisposições: a moral e a artística. Ambas se condicionam de forma recíproca e profunda. De fato, o artista, quando modela uma obra, exprime-se de tal modo a si mesmo que o resultado constitui um reflexo singular do próprio ser, daquilo que ele é e de como o é. Isto aparece confirmado inúmeras vezes na história da humanidade. De fato, quando o artista plasma uma obra-prima, não dá vida apenas à sua obra, mas, por meio dela, de certo modo manifesta também a própria personalidade. Na arte, encontra uma dimensão nov e um canal estupendo de expressão para o seu crescimento espiritual. Através das obras realizadas, o artista fala e comunica com os outros. Por isso, a História da Arte não é apenas uma história de obras, mas também de homens. As obras de arte falam dos seus autores, dão a conhecer o seu íntimo e revelam o contributo original que eles oferecem à história da cultura.

(...) O tema da beleza é qualificante, ao falar de arte. Esse tema apareceu já, quando sublinhei o olhar de complacência que Deus lançou sobre a criação. Ao pôr em relevo que tudo o que tinha criado era bom, Deus viu também que era belo. A confrontação entre o bom e o belo gera sugestivas reflexões. Em certo sentido, a beleza é a expressão visível do bem, do mesmo modo que o bem é a condição metafísica da beleza. Justamente o entenderam os Gregos, quando, fundindo os dois conceitos, cunharam uma palavra que abraça a ambos: "Kalokagathía", ou seja, "beleza-bondade". A este respeito, escreve Platão: "A força do Bem refugiou-se na natureza do Belo".

Vivendo e agindo é que o homem estabelece a sua relação com o ser, a verdade e o bem. O artista vive numa relação peculiar com a beleza. Pode-se dizer, com profunda verdade, que a beleza é a vocação a que o Criador o chamou com o dom do "talento artístico". E também este é, certamente, um talento que, na linha da parábola evangélica dos talentos (Cf Mt 25,14-30), se deve pôr a render.

Tocamos aqui um ponto essencial. Quem tiver notado em si mesmo esta espécie de centelha divina que é a vocação artística - de poeta, escritor, pintor, escultor, arquiteto, músico, ator... - adverte ao mesmo tempo a obrigação de não desperdiçar este talento, mas de o desenvolver e colocá-lo ao serviço do próximo e de toda a humanidade.

(...) A vocação diferente de cada artista, ao mesmo tempo que determina o âmbito do seu serviço, indica também as tarefas que deve assumir, o trabalho duro a que tem de sujeitar-se, a responsabilidade que deve enfrentar. Um artista, consciente de tudo isto, sabe também que deve atuar sem deixar-se dominar pela busca duma glória efêmera ou pela ânsia de uma popularidade fácil, e menos ainda pelo cálculo do possível ganho pessoal. Há, portanto, uma ética ou melhor uma "espiritualidade" do serviço artístico, que a seu modo contribui para a vida e o renascimento do povo.

João Paulo II, Carta aos Artistas
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