Hoje nós celebramos o Dia da Divina Misericórdia, uma realidade tão profunda, tão excelsa que nos ultrapassa sem fim. De fato, é um abismo o amor divino e está para além de toda medida. É muito bonito saber que Jesus nos amou primeiro, antes que tivéssemos qualquer merecimento para tal, e que Ele mantém, ainda hoje, a mesma disposição.
Todos temos feito, creio, experiência das nossas misérias, da nossa pequenez, dos estreitos horizontes do nosso egoísmo que reclama todo o nosso esforço e que se erige em critério último das nossas decisões. Dizia-me uma cara amiga que a sua luta contra o seu amor próprio assemelha-se ao combate de Davi contra o Gigante, mas um Davi ainda inexperiente. De fato, é uma luta e tanto. Não raro, porém, acontece de ser o próprio egoísmo a motivação que usamos para vencer o egoísmo. Surge no céu da alma a expectativa da recompensa e o medo do inferno e é num senso de auto-proteção e de auto-promoção que nós nos convencemos a caminhar. E tentamos corresponder aos altos ideais do Evangelho contando apenas com a nossa própria força. Resultado? Quedas e mais quedas.
No entanto, se olharmos o Cristo, que detesta o pecado, nos surpreenderemos com a mansidão do Seu coração e dos Seus olhos. Algo semelhante aconteceu com Pedro que, tendo negado a Jesus, confrontou-se, logo depois, com o olhar bondoso e isento de qualquer raiva do amado Mestre. E diz-nos S. Lucas que, saindo dali, Pedro chorou amargamente. Não nos parece estranho que, momentos atrás, Pedro tenha sido tão corajoso enfrentando um soldado, cortando-lhe a orelha e, porém, agora, que ele recue diante de uns cidadãos comuns? É que, na primeira vez, Ele ainda estava com Cristo. Agora, porém, o Mestre se tinha ausentado. Sem Cristo, nós não rendemos nada...
Nós costumamos enquadrar Deus nas nossas previsões. Estamos certos de que Ele nos reprovará severamente quando da nossa queda. Projetamos nEle os nossos critérios e fazemos um Deus à nossa imagem e semelhança. No entanto, como aconteceu com Pedro, quando nos deparamos com Ele, notamos um Cristo, não menos justo, mas profundamente amável e que é todo disposição para nos fazer compreender o que realmente significa amar.
Nos escritos de Sta Faustina, a quem Jesus revelou-se de modo particular, Ele chega a dizer que tem uma certa predileção pelos pecadores que absolutamente confiam na Sua misericórdia. De fato, que motivo temos nós para duvidar? Cristo passou pela cruz para que se tornasse absolutamente evidente a infinitude do Seu amor. E, no entanto, o que espanta é a nossa ingratidão e a nossa cegueira. Como Ele mesmo diz nos Seus lamentos: "Em que foi que te faltei?", que também pode ser estendido para "que motivos eu te dei para duvidares que te amo?" Como reduzimos o amor de Deus...
Claro, aqui caberia explanar o que tantos sujeitos diferentes entendem por amor. Mas a questão é saber que, em Deus, que é o próprio Amor, esta realidade extrapola qualquer conceito, qualquer idéia, qualquer definição. É um excesso, é um abismo, é um oceano sem fim. Por mais que escrevamos ou discursemos, jamais esgotaremos este amor. O Seu amor, claro, não diminui a Sua Justiça, mas também não evoquemos este argumento da Justiça com o propósito de derramar um certo amargor estranho na misericórdia de Cristo, somente porque esta pseudo-seriedade costuma agradar a certas pessoas. De fato, há quem se deleite ao aplicar idéias próprias a conceitos universalmente aceitos em relação a Nosso Senhor, ainda que estas idéias tragam algo de uma certa crueldade transferida para a religião. Do mesmo modo como o amor de Cristo excede todo entendimento, assim também a Sua Justiça é inabarcável.
Devemos, portanto, ter uma confiança sem limites em Deus, absolutamente convictos da Sua bondade. A idéia de um "Oceano de Misericórdia" é bastante sugestiva, pois nos incita a mergulhar totalmente. Façamos, pois, a experiência de nos sabermos amados por Deus! É somente porque Ele nos é favorável que podemos ter a esperança de uma vida santa. E com isto, eu chamo a vossa atenção para a espiritualidade da "Pequena Via" ou "Via da Infância", que será um meio muito eficaz de ultrapassar um sutil racionalismo que, por vezes, se insinua e aprofundar a nossa relação de filhos para com Deus. Esta relação, que é real, só foi possível pela mediação de Nosso Senhor e é produto direto da Sua misericórdia. Não desperdicemos, pois.
Por fim, compreendermos que Deus é paciente e misericordioso conosco nos compromete. Uma vez que o saibamos, isto exige que nos aproximemos sem medo d'Ele e, fazendo-o, Ele nos pedirá maior seriedade, generosidade e empenho. Depois, fazer a experiência da misericórdia divina nos impele a imitar este seu amor para com os demais, seja perdoando-os efetivamente, seja introduzindo-os neste bem aventurado caminho de santidade. Deus nos amou quando ainda éramos inimigos; não ponhamos condições ao amor. Amemos!
E nunca, por nenhum motivo, nos afastemos deste Senhor tão bom. Que o Seu amor infinito ensine a medida do nosso.
"Senhor: que eu tenha peso e medida em tudo... menos no Amor" (S. Josemaria Escrivá, Caminho)
Fábio
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