Participei de uma discussão no facebook sobre a possibilidade de o ditador venezuelano Hugo Chávez não ter se condenado. Um rapaz lá defendia que podemos ter a "certeza moral" sobre a sua condenação. Porém, se a princípio a conversa parecia promissora, foi só o sujeito ser imprensado para que, faltando-lhe os argumentos, passasse de "filósofo tomista" a mero desbocado. Que era pretensioso, no entanto, via-se desde o início. Sobre o assunto tratado, então, quero trazer três textos. Os grifos são meus.
O primeiro, de autoria do Prof. Sidney Silveira, do Contra Impugnantes, diz o seguinte:
Para um católico, a salvação e a perdição são um grande mistério. Todos os que, ao longo dos séculos, tentaram resolvê-lo de forma definitiva acabaram caindo em alguma heresia. Ademais, nada menos caridoso do que desejar que alguém vá arder no inferno, mesmo sendo o pior dos homens. O contrário, sim, é católico: desejar a salvação mesmo dos maus, para que se manifeste gloriosamente a misericórdia divina.
Aos que, portanto, estão imbuídos de tão malignos votos, lembramos: teologicamente, ninguém merece o céu. O mérito do sangue de Cristo na cruz resgatou-nos, e não os nossos méritos. O Bom Ladrão recebeu a graça de morrer em amizade com Deus, não obstante a sua vida de crimes confessados na hora final.
Desejar que alguém vá para o inferno é desejar o mesmo que o demônio, inimigo da nossa salvação; matéria de confissão, muito mais do que os pecados da carne.
O próximo texto é de autoria do Prof. Carlos Nougué, e traz o que segue:
"Lemos aqui e ali votos de que Hugo Chávez vá arder no fogo do inferno. Isso não é católico. Não podemos perscrutar o segredo da eleição divina, e, como diz Santo Agostinho, Deus salva no último instante verdadeiros poços de lama. Por quê? Não o sabemos; sabemos apenas, como diz ainda o mesmo Santo, que sua Justiça é perfeitíssima, bem como sua Dileção. Ademais, vimos Hugo Chávez falar e falar de Cristo nos últimos meses de vida. Como não sabemos o que ocorreu entre o Espírito e sua alma no leito de morte, se teve ou não a graça eficaz para arrepender-se contritamente de seus pecados, só nos resta guardar silêncio e alegrar-nos muito interiormente com a sempre possível e sobrenatural salvação de qualquer pecador. "
E, por fim, transcrevo uma parte dos Diálogos de Deus Pai com Sta Catarina de Sena, em que Ele fala sobre a possibilidade última de salvação de alguém no leito de morte, embora seja absurdamente temerário esperar tal momento para arrepender-se:
"Os pecadores não podem desculpar-se. Continuamente são por mim convidados ao conhecimento da Verdade. Não se corrigindo enquanto podem fazê-lo, uma segunda repreensão os condenará. Ela acontece no último instante da vida, quando meu Filho chamar: “Surgite mortui, venite ad judicium” (Levantai-vos, ó mortos, vinde para o julgamento)! Tu que morreste para a graça e morto chegas ao fim da vida terrena, levanta-te, aproxima-te do supremo Juiz. Aproxima-te com tua maldade, com teus julgamentos falsos, com a lâmpada da fé apagada. No santo batismo, ela foi-te entregue acesa; tu a apagaste com o sopro do orgulho e da vaidade do coração, usados como velas enfunadas às ventanias contrárias à salvação. O amor da fama soprava teu amor-próprio e tu corrias alegre pelo rio dos prazeres mundanos; seguias a frágil carne, as incitações do demônio, as tentações. Tua vontade era um pano retesado e o diabo te conduziu pela estrada do mal, junto com ele, para a eterna condenação...
Filha muito querida, esta segunda repreensão se dá no fim da vida, quando não há mais remédio. Ao chegar o instante da morte, o homem sente remorso. Já afirmei que ele é um verme cego por causa do egoísmo. No instante final, quando a pessoa compreende que não pode fugir das minhas mãos, esse verme recupera a visão e atormenta interiormente a pessoa, fazendo ver que por própria culpa chegou a tão triste situação. Se o pecador se deixar iluminar e se arrepender – não por medo dos castigos infernais, mas por ter ofendido a suma e eterna bondade – ainda será perdoado. Mas se ultrapassar o momento da morte nas trevas, no remorso, sem esperança no sangue [de Cristo] ou, então, lamentando-se apenas pela infelicidade em que se acha – e não por ter me ofendido – irá para a perdição. Sobrevirá, pois, a repreensão pela injustiça e falso julgamento.
Em primeiro lugar, a repreensão da injustiça e do julgamento falso em geral, praticados no conjunto de suas ações; depois, em particular, do último instante, quando o pecador considera seu pecado maior que minha misericórdia. Este (Mt 12,32) é o pecado que não será perdoado, nem aqui nem no além. O desprezo voluntário da minha misericórdia constitui pecado mais grave que todos os anteriores. Neste sentido, o desespero de Judas desagradou-me e foi mais grave que a sua traição. Também para meu Filho! É por causa deste (último) julgamento falso que o pecador sofre a repreensão, ou seja, porque acha que sua falta é maior que meu perdão. Este é o motivo da punição, indo sofrer eternamente com os demônios."
Participei recentemente de uma discussão parecida, porém o ponto de vista era outro: Todo mundo que morre vai para o céu?
ResponderExcluirInfelizmente a Ditadura do Relativismo têm invadido a Igreja, de forma que vivemos sob dois pesos e duas medidas. Quando é alguém que amamos, ou parente de algum amigo dizemos: Fica em paz que fulano já está no céu. Quando não muitos desejam que "arda" no inferno.
Nem uma coisa e nem outra. A nós cabe unicamente rezar. O julgamento cabe a Deus.
Isso mesmo..
ResponderExcluirA gente costuma projetar em Deus os nossos critérios.
Mas, como dizes, a nós cabe somente rezar. O mistério é isso mesmo: mistério.