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Cristo e Barrabás


Bento XVI

O reino de Cristo é algo completamente diferente dos reinos da terra e do seu esplendor que Satanás apresenta. Este esplendor, como a palavra grega doxa diz, é aparência que se dissolve. Tal esplendor, Cristo não tem. O seu cresce através da humildade da pregação naqueles que se deixam fazer seus discípulos, que são batizados no nome da Santíssima Trindade e que guardam os seus mandamentos (Mt 28, 19s).

Mas voltemos à (terceira) tentação. O seu verdadeiro conteúdo torna-se visível se considerarmos as novas formas que assume constantemente ao longo da história. O império cristão tentou fazer da fé um fator político da unidade do Império. o reino de Cristo deve então receber a forma e o esplendor de um reino político. A impotência da fé, a impotência terrena de Jesus Cristo deve ser ajudada pelo poder político e militar. Em todos os séculos ressurgiu sempre, e em múltiplas formas, esta tentação de assegurar a fé através do poder, e ela correu sempre o risco de ser asfixiada nos abraços com o poder. A luta pela liberdade da Igreja e, portanto, a luta porque o reino de Jesus não pode ser identificado com nenhuma figura política, deve ser travada durante todos os séculos. Então, o preço pela mistura da fé e do poder político consiste, em última análise, no fato de que a fé entra a serviço do poder e deve vergar-se aos seus critérios.

Na história da Paixão do Senhor, esta alternativa de que aqui se trata aparece numa forma verdadeiramente provocante. No auge do processo, Pilatos apresenta ao povo Jesus e Barrabás para que seja escolhido um deles, pois um deles deve ser libertado. Mas quem era Barrabás? Temos conhecimento apenas do que se apresenta no Evangelho de S. João: "Barrabás era um salteador" (Jo 18,40). Só que o termo grego salteador havia recebido um significado específico na situação política de então na Palestina. Ele significava o mesmo que "lutador de resistência". Barrabás havia participado de uma rebelião (cf. Mc 15,7) e além disso era acusado - neste contexto - de homicídio (Lc 15,7). Quando S. Mateus diz que Barrabás tinha sido um "preso célebre", isso significa que tinha sido um dos destacados lutadores da resistência, talvez até o próprio cabeça da rebelião (Mt 27,62).

Em outras palavras: Barrabás era uma figura messiânica. A escolha entre Jesus e Barrabás não é casual: estão em confronto duas figuras messiânicas, duas formas de messianismo. Isto se torna ainda mais claro quando pensamos que Bar-Abbas quer dizer "filho do Pai". Trata-se de uma típica designação messiânica, de um nome cultual de um destacado cabeça de um movimento messiânico. A última grande guerra messiânica dos judeus fora conduzida no ano 132 por Bar-Kochba, "filho da estrela". É a mesma configuração do nome, a mesma intenção é representada.

Por Orígenes tomamos conhecimento de um outro pormenor muito interessante: em muitos manuscritos dos Evangelhos até o séc. III, o homem aqui em referência chamava-se Jesus Barrabbas, "Jesus filho do Pai". Ele se apresenta como uma espécie de sósia de Jesus; concebiam a mesma pretensão, mas de um modo totalmente diferente. A escolha consiste, portanto, entre um Messias que encabeça um combate que promete liberdade e o próprio reino e este misterioso Jesus que anuncia o perder-se como caminho para a vida. É então surpreendente que as massas tenham dado a prioridade a Barrabás?

Se hoje tivéssemos de escolher, teria Jesus de Nazaré, o filho de Maria, o filho do Pai, alguma possibilidade? Será que conhecemos mesmo Jesus? Será que O compreendemos? Não deveríamos hoje, tanto quanto ontem esforçar-nos para de novo O conhecer? O tentador não é tão rude a ponto de nos propor diretamente a adoração do diabo. Ele apenas nos propõe que nos decidamos por aquilo que é racional, pela primazia de um mundo planejado e organizado, no qual Deus pode ter o seu lugar como uma questão privada, mas que não pode imiscuir-se nas nossas intenções essenciais. Solowjew dedica ao Anticristo O caminho aberto para a paz e o bem-estar do mundo, que de certo modo se torna a nova Bíblia e que tem como próprio conteúdo a adoração da prosperidade e do planejamento racional.

A terceira tentação de Jesus é tida como a tentação fundamental: a questão sobre o que um redentor do mundo deve fazer. Ela perpassa toda a vida de Jesus. Evidencia-se, de novo e abertamente, numa virada decisiva do seu caminho. Pedro tinhas em nome dos discípulos dito a confissão em Jesus como o Messias-Cristo, o filho do Deus vivo, e assim formulado aquela fé sobre a qual a Igreja se edifica e inaugurado a comunidade dos crentes fundada em Cristo. Mas precisamente neste lugar em que se evidencia o conhecimento de Jesus, que marca a cisão e a decisão a respeito da "opinião da multidão" e assim começa a formar-se a sua nova família, precisamente aí está o tentador - o perigo de tudo inverter no seu contrário. O senhor explica imediatamente que o conceito de Messias deve ser compreendido tendo como base o conjunto da mensagem profética - que diz não ao poder mundano, mas sim à cruz e, portanto, a uma comunidade totalmente diferente que se origina precisamente a partir e através da cruz.

Mas isso Pedro não entendeu: "Tomando-O de parte, Pedro começou a repreendê-Lo dizendo: Deus te livre de tal, Senhor. Isso não há-de acontecer". Se lermos essas palavras sob o pano de fundo da história das tentações - como o seu retorno num instante decisivo - , então percebemos a incrivelmente dura resposta de Jesus: "Afasta-te de mim, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens" (Mt 16,22s).

Bento XVI, Jesus de Nazaré.
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