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Sobre o modo de estudar - Estudo introdutório




Jean Lauand

O De modo studendi de Tomás.

O De modo studendi é uma carta de autoria de Tomás de Aquino, aconselhando sobre o modo de estudar. Tomás dava muita importância à correspondência. Victor White observa que não é raro que Tomás deixe de lado seu trabalho em obras maiores para elaborar respostas a cartas, especialmente de seus irmãos dominicanos.

O destinatário da carta De modo studendi, um tal "irmão João", é um dominicano jovem, iniciando seus estudos, e afoito por mergulhar no "oceano da sabedoria", resolveu escrever ao mestre consumado, perguntando sobre atalhos.

Tomás, que - no Comentário à Ética de Aristóteles - afirma ser o tempo o grande colaborador (bonus cooperator), começa por responder ao impaciente Frei João que não há atalhos, mas caminhos: pelos riachos é que se chega ao mar e o "difícil deve ser atingido a partir do fácil" (DMS, intr.).

Já no início da carta, Tomás, referindo-se à tarefa de obter o conhecimento, emprega sugestivamente o gerúndio - acquirendo, adquirindo - como que a indicar que a formação intelectual é mais um contínuo processo do que pacífica posse decorrente de uma ação que se perfaz de uma vez. Significativo, nesse sentido, é o uso do verbo incedere, caminhar, marchar. Com efeito, já na primeira questão da Summa, referindo-se à busca pela razão humana da verdade mais elevada, Tomás diz que "só poucos, depois de muito tempo e com mistura de muitos erros, podem chegar". O tempo é bonus cooperator, o grande aliado de quem almeja o "tesouro do conhecimento" (DMS, intr.).

O De modo studendi é um espelho em que se reflete uma concepção de educação totalmente diferente da que prevalece em nosso tempo. Se um grande educador de hoje fosse consultado sobre "o modo de estudar" ou sobre como "adquirir conhecimentos", certamente sua reposta dirigir-se-ia a questões técnicas, programático-curriculares, motivacionais...: o conhecimento é, para nós, compartimentado, separado da existência. Já Tomás, que pensa no saber como algo integrado à existência, ante as mesmas perguntas, aconselha "sobre como deve ser tua vida" (DMS, intr.).

Se o objetivo da escola, hoje, é formar o bom profissional, ou, quando muito, "educar para a cidadania" ou formar para uma análise crítica do mundo; os conselhos de Tomás, no século XIII, incidem sobre a própria estrutura nuclear íntima do ser humano.

A educação para a sabedoria.

Assim, já na primeira questão da Suma Teológica, ao procurar caracterizar o que é a sabedoria, Tomás explica que a sabedoria não deve ser entendida somente como conhecimento que advém do frio estudo, mas como um saber que se experimenta e saboreia. Tomás, sempre muito atento aos fenômenos da linguagem, à fala do povo, como fonte de profundas descobertas filosóficas, encanta-se com o fato - para ele experiência pessoal vivida - de que em sua língua latina sapere signifique tanto "saber" como "saborear". Esta coincidência de significados na linguagem do povo - Tomás bem o "sabe" - não é casual: se há quem saiba porque estudou, verdadeiramente sábio, porém, é aquele que sabe porque saboreou...

Se a sabedoria não pressupõe só uma dimensão intelectual, mas está integrada ao todo da existência, não é de estranhar, que, dentre os conselhos dados por Tomás sobre o modo de estudar, encontremos a exortação ao silêncio, à vida de oração, à amabilidade, à humildade, à pureza de consciência, à santidade...

Nesse sentido, deve-se observar também que o alcance semântico da própria palavra studium em latim é muito mais abrangente do que a nossa estudo. Studium significa amor, afeição, devotamento, a atitude de quem se aplica a algo porque ama e, não por acaso, esse vocábulo acabou especializando-se em dedicação aos estudos. Assim, o próprio título do opúsculo de Tomás Sobre o modo de estudar, sugere algo assim como: Sobre o modo de aplicar-se amorosamente...

E, na verdade, o que Tomás propõe é nada menos do que uma dedicação integral, uma consagração à vida intelectual. Um estilo de vida muito exigente, que supõe uma ascese de relacionamento do homem com Deus (cfr. p. ex. DMS, 3), com os outros (cfr. p. ex. DMS, 5) e consigo mesmo (cfr. p. ex. DMS, 12).

Na visão compartimentada do conhecimento que temos hoje, esperamos que nosso aluno demonstre teoremas, calcule empuxos, balanceie equações químicas, escreva redações sugestivas e conjugue corretamente os verbos; o que ele é enquanto homem, isto é lá com ele... Já para Tomás, como se vê no De modo studendi, alguém dedicado ao estudo deve, antes de mais nada, cuidar das atitudes da alma.

O silêncio como pressuposto da vida intelectual

Talvez não haja nada mais oposto ao espírito de nosso tempo do que os conselhos de Tomás que recomendam o cultivo do silêncio. E, no entanto, trata-se, como explica um dos principais filósofos da educação contemporâneos, Josef Pieper, de uma das regras fundamentais da vida intelectual e da vida do espírito.

A descoberta da realidade como objetivo da vida intelectual

No que se refere à vida intelectual, Tomás afirma a existência de uma ordo, de uma dinâmica própria do conhecimento, daí que o Aquinate freqüentemente compare o sábio ao arquiteto. Certamente, essa ordo exige uma ordenação do próprio objeto de estudo: do mais fácil para o mais difícil; do riacho para o alto mar. Mas a aquisição do tesouro do saber exigirá também uma ordenação interior do sujeito que estuda. A essa ordo interius referem-se os conselhos do De modo studendi. Afinal, o conhecimento da realidade é, para Tomás, o objetivo da educação, e mais, a própria realização do homem.
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