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Religião e Evolução - A destruição teilhardiana do Cristianismo


Dietrich Von Hildebrand

 O pensador Teilhard é desesperadamente irreconciliável com o Cristianismo. A revelação cristã pressupõe certos fatos naturais básicos, tais como o da existência da verdade objetiva, o da realidade espiritual da pessoa individual, o da radical diferença entre o espírito e a matéria, o da diferença entre o corpo e a alma, o da inalterável objetividade do bem e do mal morais, o do livre arbítrio, o da imortalidade da alma e, naturalmente, o da existência de Deus-Pessoal. A maneira como Teilhard trata de todas essas questões dá provas de um intransponível hiato entre sua ficção teológica e a revelação cristã.

Esta conclusão segue-se, sem subtefúrgios, dos freqüentes argumentos de Teilhard a favor da “nova” interpretação do cristianismo. Aqui e ali, volta ele a argumentar que já não podemos esperar que o homem moderno, vivendo no mundo industrializado e na era das ciências, aceite a doutrina cristã tal como vinha sendo ensinada nos últimos dois mil anos. A nova interpretação de Teilhard é elaborada para atender a esta pergunta: “Que se ajusta ao nosso mundo moderno?” É um tratamento que reúne o relativismo histórico e pragmatismo com radical cegueira à própria essência da religião.

Ocupei-me com o mito do homem moderno. Basta-nos, agora, insistir em que o homem sempre permanece essencialmente o mesmo com relação a seu risco moral, suas obrigações morais, sua necessidade de Redenção, e as verdadeiras fontes de sua felicidade. Também foi objeto de exame nosso o erro catastrófico do relativismo histórico, que confunde a vivacidade histórica-social de uma idéia com sua validade e sua verdade. Se é puro contrasenso asseverar que uma verdade natural básica pode ser válida para a Idade Média mas não para nossa época, o absurdo é ainda mais drástico quando o assunto é religião.

Com relação à religião, a única pergunta que pode importar é se ela é verdadeira ou não. O problema de saber se se ajusta à mentalidade de uma época ou não, não pode ter nenhum influxo na aceitação ou na rejeição da religião, a menos que se venha a trair a essência mesma da religião. Mesmo o ateu mais radical reconhece isso. Ele não dirá que hoje já não se pode crer em Deus; dirá que Deus é e foi sempre uma ilusão. Da posição de que a religião deve adaptar-se ao espírito da época vai apenas um pulo para a absurda tolice (que associamos a Bertrand Russel e ao ideólogo do Nazismo, Bergmann) de se ter de inventar uma nova religião.

Teilhard escreveu em carta de 1952: “Como costumo dizer, a síntese do Deus cristão (de cima) e do Deus marxista (para a frente), estejam certos, é o único Deus que, de agora em diante, podemos adorar em espírito e em verdade.” Nessa frase, cada palavra demonstra o abismo que separa Teilhard do Cristianismo. Falar de um deus Marxista é, no mínimo, muito surpreendente e jamais teria sido aceito por Marx. Mas a idéia de uma síntese do Deus cristão com um pretenso Deus marxista e a aplicação simultânea do termo “Deus” falando-se de cristianismo e de marxismo, revela a absoluta incompatibilidade do pensamento de Teilhard com a doutrina da Igreja e exibem, inequivocamente, seu relativismo histórico.

Em O Camponês do Garona, Jacques Maritain observa que Teilhard está angustiado em preservar o Cristo. Mas, acrescenta, “que Cristo!” Deparamo-nos aqui com a mais radical diferença entre a doutrina da Igreja e a ficção teológica de Teilhard de Chardin. O Cristo de Teilhard já não é o Jesus, Homem-Deus, Epifania de Deus, o Redentor; é o iniciador de um processo evolutivo puramente natural e, ao mesmo tempo, no final, o Cristo-Omega. A qualquer mente despida de preconceitos ocorre a indagação: por que chamar Cristo a essa “força cósmica”?

Seria o máximo de ingenuidade deixar-se levar, apenas, pelo fato de Teilhard rotular de Cristo a essa pretensa força cosmogônica ou pelo seu desesperado esforço para embrulhar esse panteísmo em termos católicos tradicionais. Em sua concepção básica sobre o mundo e que não leva em conta o pecado original no sentido que a Igreja atribui a essa expressão, não há lugar para o Jesus Cristo dos Evangelhos; se não há pecado original, a Redenção do homem pelo Cristo perde a essência de sua significação.

Na revelação cristã é dada ênfase à santificação e salvação de cada pessoa indi vidual, conduzindo-a à visão beatífica e, ao mesmo tempo, à comunhão dos santos. Na teologia de Teilhard, o acento é posto sobre o progresso da Terra, sobre a evolução que conduz ao Cristo-Omega. Aí não cabe a salvação pela morte de Cristo na cruz, pois o destino do homem é parte de uma evolução cósmica.

A idéia que Teilhard faz do homem e sua negação implícita do livre arbítrio, seu amoralismo tácito e seu coletivismo totalitário arrancam-no da revelação cristã – e isto apesar de seus esforços para reconciliar suas idéias com os ensinamentos da Igreja. Escreve ele: “Sim, o desenvolvimento mora e social da humanidade é, de fato, a autêntica e natural consequência da evolução orgânica”; Para esse homem, pecado original, redenção e santificação já não têm sentido real. Registre-se que Teilhard não parece muito consciente desta incompatibilidade:

“Por vezes temo um pouco, ao pensar na transposição a que devo sujeitar minha mente face a noções vulgares de criação, inspiração, milagre, pecado original, ressurreição etc... a fim de poder aceitá-las.”

A aplicação do termo “vulgar” - mesmo sem sentido pejorativo aos elementos básicos da revelação cristã e sua interpretação pelo Magistério Infalível da Igreja bastaria para ressaltar o caráter gnóstico e esotérico de seu pensamento.

Escreve ele a Leontina Zanta:
“Como já sabes, o que domina meu interesse e minhas preocupações é o esforço para estabelecer em mim mesmo e divulgar à minha volta uma nova religião (você a chamará, talvez, de uma melhor cristandade) na qual o Deus pessoal deixa de ser o grande proprietário neolítico do antanho, para ser a alma do mundo; nosso estágio religioso e cultural o pede.”

Nesse caso, não só o Cristo dos Evangelhos é substituído pelo Cristo-Omega, mas também o Deus do Antigo e Novo Testamentos é substituído pelo Deus panteístico, “alma do mundo” - e isto sob a coação do infeliz argumento de que Deus deve adaptar-se ao homem e à época científica.

Não é de admirar-se que Teilhard recrimine a Santo Agostinho pela introdução da diferença entre natural e sobrenatural. Na “religião” panteística e naturalista de Teilhard o sobrenatural ou o universo da graça não podem ter vez. Para ele, a união a Deus consiste, antes de mais nada, na assimilação ao processo evolutivo e não na vida sobrenatural da graça infundida em nossas almas pelo batismo. Por que uma coisa tende a excluir a outra? Se a idéia de Teilhard sobre a participação no processo evolutivo fosse uma realidade, existiria quando muito uma forma de concursos divinus. Por mais misterioso que seja o concursos divinus – isto é, o apoio que Deus dá a todo o momento de nossa existência natural e sem o qual submergeríamos de volta ao nada – há um abismo separando da graça este contato metafísico.

Não importa se Teilhard nega ou não, explicitamente, a realidade da graça: seuêxtase ante a presença do contato natural com Deus no aludido processo evolutivo patenteia o papel subalterno da graça – se é que ele atribui algum. Ou, formulando de outro modo: depois de que ele substituiu o Deus pessoal, Criador dos céus e da Terra, pelo Deus alma do universo e transformou o Cristo dos Evangelhos no Cristo-Omega e substituiu a Redenção pelo processo evolutivo natural, que papel “restará” para a graça?

Maritain trata admiravelmente do problema. Após asseverar que o espetáculo teilhardiano do movimento divino da criação para Deus não é sem grandeza, observa:

“Mas que nos diz sobre os caminhos recônditos que muito mais nos importam do que qualquer espetáculo? Que nos diz ele do essencial, o mistério da Cruz e o sangue redentor, bem como da graça cuja presença em uma só alma vale mais do que toda a natureza? E do amor que nos torna co-redentores com Cristo e das jubilosas lágrimas pelas quais Sua paz penetra nossa alma? A nova gnose, como qualquer outra, é uma “pobre gnose”.

Constatamos em Teilhard uma completa inversão da hierarquia cristão dos valores. Para ele, os processos cósmicos se situam acima da alma individual. Pesquisa e trabalho se situam acima da alma individual. Pesquisa e trabalho pairam aos valores morais. A ação, como tal – a saber, qualquer associação ao processo evolutivo – é mais importante do que a contemplação, a contrição pelos nossos pecados, a penitência. O progresso na conquista e “totalização” do universo pela evolução coloca-se acima da santidade.

A enorme distância entre o universo de Teilhard e o universo cristão torna-se dramaticamente clara quando comparamos as prioridades de Newman às suas pioridades.

Diz o Cardeal Newman nos “DISCOURSES TO MIXED CONGREGATIONS”:

“A santa pureza, a santa pobreza, a renúncia ao mundo, o favor dos céus, a proteção dos anjos, o sorriso da bem-aventurada Virgem, os dons da graça, a interferência dos milagres, a intercomunhão dos méritos são as coisas elevadas e preciosas, as coisas que devemos contemplar, as coisas das quais devemos falar com reverência.”

Mas, para Teilhard, não é assim:

“Adorar significara, outrora, preferir Deus às coisas, referindo-as a Ele e sacrificando-as a Ele. Hoje, é oferecer alma e corpo ao Criador – associando-nos a Ele – a fim de dar o toque final ao universo, pelo trabalho e pela pesquisa.”

O uso ambíguo de termos cristãos clássicos não consegue ocultar o sentido e a direção fundamentais do seu pensamento. Não julgamos ser, portanto, possível concordar com H. de Lubac em que a ficção teológica de Teilhard seja um “possível” acréscimo à revelação cristã. A evidência nos leva a concordar com Filipe da Trindade ao afirmar que se trata de uma “deformação do cristianismo, transformado agora em evolucionismo de sabor naturalista, monista e panteísta”.

Na obra de Teilhard, escorrega-se de uma posição a outra numa espécie de culto ao equívoco tão vinculado ao ideal monista. Sistematicamente ele apaga toda diferença decisiva entre coisas, tais como esperança e otimismo, amor cristão ao próximo (essencialmente voltado para a pessoa individual) e fascinação pela humanidade (na qual o indivíduo é apenas uma unidade da espécie humana). Teilhard ignora a diferença entre eternidade e futuro terrestre da humanidade, fundindo-os na idéia de totalização do Cristo-Omega.

É preciso notar que há algo de comovente na desesperada tentativa de Teilhard para conciliar o apego tradicional e emocional para com a Igreja com uma teologia radicalmente oposta à sua doutrina. Mas esta dedicação exterior aos termos cristãos torna-o ainda mais perigoso do que um Voltaire, um Renan, ou um Nietzsche. Seu êxito em dar ao monismo panteísta e gnóstico roupagens cristãs é por demais evidente em seu livro O Meio Divino.

A muitos leitores os termos empregados por Teilhard soam tão familiares que os leva a exclamar: “Como podem acusá-lo de ão ser um cristão ordotoxo? Não está dito em O Meio Divino, o que é, para uma pessoa ser um santo, senão de fato ligar-se a Deus com todas as suas forças?” É certo que essa expressão soa absolutamente ortodoxa. Efetivamente, porém, a noção de Teilhard sobre adesão a Deus esconde uma troca das heróicas virtudes características dos santos pela colaboração no processo evolutivo. A conquista da santidade na esfera moral mediante a obediência aos mandamentos de Deus e a imitação de Cristo é tacitamente substituída pela ênfase no desenvolvimento de todas as faculdades humanas, isto é, pela eficiência, que parece ser a palavra adequada.

Teilhard é claro neste ponto, se bem que o encubra na terminologia tradicional: “Que significa aderir a Deus ao máximo se não preencher no universo organizado em torno do Cristo a função exata, humilde ou importante, a que o destinam a natureza e a sobrenatureza?”

Portanto, para Teilhard, a plena significação da pessoa individual acha-se no preenchimento de sua função no todo – no processo evolutivo. Já não é chamada a glorificar a Deus pela imitação de Cristo, fim comum de todo cristão verdadeiro.

A transposição do Cristo Crucificado pelo Cristo-Omega vem também revestida de termos aparentemente tradicionais:

“Rumo ao vértice, envolto em névoa aos nossos olhos humanos e ao qual a Cruz nos convida, peregrinamos por um caminho que é o Progresso universal. A estrada real da Cruz não é nada mais nada menos do que a estrada da situação humana, sobrenaturalmente retificada e prolongada”.

Aqui, os símbolos cristãos escondem uma radical transformação do cristianismo que nos projeta fora da órbita cristã ao mesmo tempo em que nos lança em um clima espiritual inteiramente outro.


Por vezes, contudo, Teilhard retira o disfarce cristão e abertamente revela sua verdadeira posição. Em 1934, na China, escrevia:

“Se, em decorrência de alguma revolução interna, tivesse eu de perder a minha fé em Cristo, minha fé no Deus Pessoal, minha fé no espírito, parece-me que haveria de continuar a ter fé no universo. O universo (o valor, a infalibilidade e a bondade do universo) é em última instância – a primeira e única coisa na qual acredito.”

Dietrich Von Hildebrand, Cavalo de Tróia na Cidade de Deus.
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