Sicut lilium inter spinas,
sic amica mea inter filias.
"Que a alma, que me é cara entre todas,
seja qual lírio no meio de espinhos" (Ct 2,2).
O reinado do amor está na virgindade do coração. É nos figurado pelo lírio que domina regiamente as outras flores do vale.
O amor é um. Dividido, repartido será infiel. A verdadeira união realiza-se pela troca dos corações. É pelo coração que as criaturas humanas se unem uma à outra enquanto a pureza dessa união é simbolizada pela veste branca da esposa.
Jesus Cristo também pede-nos a posse radical do nosso coração, sobre o qual quer reinar de modo absoluto, não tolerando que o repartamos com criatura alguma. Ele é o Deus de toda pureza. Ama as virgens acima de tudo; às virgens concede Seus favores e lhes dedica o Cântico do Cordeiro. Elas lhe formam a corte privilegiada e O acompanham por toda a parte.
Jesus só Se une ao coração puro. É próprio de Sua união gerar, conservar e aperfeiçoar a pureza.
Não produz o amor, pela sua natureza, identidade de vida e simpatia de afeições entre dois amantes?
O amor evita desagradar, esforçando-se por agradar. Ora, se o que desagrada a Jesus Cristo é o pecado, o amor lhe terá horror, evitá-lo-á por todos os meios e o combaterá energicamente, preferindo antes morrer alegremente a cometê-lo. É a mesma história que se repete com os Santos, os Mártires e as Virgens. É sentimento próprio a todo cristão, pois todos nós devemos estar dispostos a morrer antes de ofender a Deus.
Nada é delicado como a alvura do lírio. O menor grão de poeira, o mais ligeiro sopro diminui-lhes o lustre. Podemos dizer o mesmo da pureza do amor, cioso por natureza.
O título que mais apraz a Deus é também aquele que mais gostamos de repetir: "Deus cordis mei". Deus do meu coração. Ah! o coração é nosso soberano, dirige-nos a vida; é a chave de posição. Eis por que todas as tentações do mundo visam conquistá-lo, porquanto uma vez ganho, tudo o mais cai. É a razão pelo qual a Sabedoria divina nos diz: "Meu filho, guarda teu coração com todo o cuidado, já que dele depende toda a tua vida". - Fili, omnis custódia custodi cor tuum, ab ipso enim vita procedit.
Jesus só reinará na alma como Senhor absoluto, pela pureza do amor.
Há, porém, duas espécies de amor em Jesus Cristo.
A primeira, é a pureza virginal, que brota, qual fruto natural, do amor de Jesus. A alma, seduzida por esse amor, prevenida por esse atrativo, quer consagrar seu coração ao Esposo e dedicar-Lhe tudo. "Ut sit sancta corpore et spiritu." É um lírio, e Jesus, que se compraz no meio dos lírios, reina no seu espírito, calmo e puro, onde luz só a verdade. Reina no seu coração, como soberano Senhor. Reina no seu corpo, cujos membros Lhe estão consagrados e ofertados como hóstia viva, santa e de agradável odor. "Ut exhibeatis corpora vestra hostiam viventem, sanctam, Deo placentem."
E a alma encontra nessa pureza toda a sua força. Ante a virgem, treme o demônio. Não foi o mundo vencido por uma Virgem? Serão muitos os corações virgens que nunca amaram senão a Nosso Senhor? Deviam ser, se refletíssemos no que é Jesus Cristo. Que homem ou rei Lhe pode ser comparado? Quem será maior, mais santo, mais amoroso? Ah! a realeza desse mundo não vale a realeza virginal de Jesus Cristo!
Havia muitos corações virgens nos séculos de perseguições, no século de Fé. Avaliava-se bem então a honra que estava em dar seu coração unicamente ao Rei dos Céus, em Lhe pertencer tão-somente. Hoje em dia, ainda há muitos, apesar dos laços que lhes tecem o mundo e o sangue. São anjos no meio do mundo, mártires de sua felicidade, pois terríveis e pérfidos são os combates que lhes dão o século e a família, lançando mão de todos os meios para arrancar-lhes essa coro régia, recebida das mãos de Jesus, o Esposo Divino.
Nosso Senhor recompensa a fidelidade dessas almas, unindo-Se-lhes numa intimidade crescente. Pureza, por essência, purifica-as sem cessar, tornando-as um ouro puríssimo, dando-lhes mais tarde no Céu uma recompesa sem par. "Vi o Cordeiro, disse São João, o Apóstolo virgem, na montanha de Sião e com Ele os cento e quarenta e quatro mil virgens que lhe traziam o nome, bem, como o do Pai, escrito na fronte. E eles cantavam em presença do Cordeiro, um cântico novo, cântico este que ninguém mais podia cantar. São virgens, e porque estão sem mácula ante o trono de Deus, seguem ao Cordeiro por toda parte onde for".
A quem não couber essa coroa de pureza virginal, resta ainda a da pureza de penitência nobre, bela e forte (segunda). É a pureza recuperada conservada pelos mais violentos combates e pelos sacrifícios que mais custam à natureza, penitência que torna a alma forte, senhora de si. É fruto do amor de Jesus.
O primeiro efeito do Amor divino, ao se apoderar de um coração arrependido, é reabilitá-lo, purificá-lo, enobrecê-lo e restituir-lhe a dignidade para depois sustentá-lo nos combates inevitáveis contra seus antigos donos, isto é, seus hábitos viciados.
O amor penitente é um magnífico exemplo. É uma virtude pública pelos combates que sustenta, pelas ligações que rompe. Suas vitórias são sublimes. E todo o seu triunfo consiste em tornar o homem modesto.
Saibamos adquirir, embora à custa dos maiores sacrifícios, esse ouro da pureza provado pelo fogo, a fim de nos enriquecer e de nos revestir da túnica branca, sem a qual não poderemos penetrar no Céu. É a advertência que dá São João ao Bispo de Laodicéia: "Suadeo tibi emere a me aurum ignitum probatum, ut loclupes fias et vestimentis albis induaris".
Quem galgará a montanha do Senhor?
Aquele que for inocente nas suas obras e cujo coração for puro.
Em purificar-nos está, portanto, a grande tarefa da vida presente. Nada de maculado entrará no Reino de Santidade Divina. Para ver a Deus, contemplar o esplendor de Sua glória, é preciso que os olhos do coração estejam inteiramente puros. Um único átomo de poeira na nossa túnica basta para barrar-nos a entrada celeste, enquanto não nos purificarmos no Sangue do Cordeiro.
A palavra dita pelo Senhor não há de passar:
"Em verdade vos digo, todo homem terá de prestar contas no dia do juízo de qualquer palavra ociosa que tiver pronunciado".
É preciso purificar-nos sem cessar. Mais vale fugir para o deserto, condenar-se à uma vida de sacrifícios, deixar de lado muitas obras por belas e boas, a perder o tesouro da pureza. Todas as almas a salvar não valem a salvação da nossa própria alma. O que Deus quer de mim, acima de tudo - e sem o que nada mais tem valor - , sou eu!
Ah! se não nos for dado ter as virtudes heróicas e sublimes dos Santos, sejamos pelo menos puros; e se perdemos, desgraçadamente, nossa inocência batismal, revistamo-nos agora da inocência laboriosa da penitência!
Sem pureza, não haverá vida de amor.
(A Divina Eucaristia - volume II - São Pedro Julião Edymard)
Fonte: A Grande Guerra
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