Tradutor / Translator


English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

Cristo que vai morrer


Pe. Ronald Knox

"[A Eucaristia] é o próprio sacrifício do Corpo e do Sangue do Senhor Jesus, que Ele instituiu para perpetuar através dos séculos, até o seu retorno, o sacrifício da cruz, confiando assim à sua Igreja o memorial da sua Morte e Ressurreição" (Compêndio, n. 271).

Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que venha (1 COr 11, 26).

A teologia de São Paulo não chegou até nós sob a forma de instruções catequísticas cuidadosamente meditatas; brotou ao sabor das circunstâncias, por uma série de acidentes providenciais, em ocasiões em que o Apóstolo não pretendia falar de teologia, mas debruçar-se sobre necessidades práticas do momento. É a uma cidente providencial que devemos o seu maravilhoso capítulo sobre a Sagrada Eucaristia, base de tantas coisas que cremos e sabemos sobre o sacramento do altar. Tudo foi a propósito de certos abusos que tinham surgido no seio da Igreja de Corinto - uma cidde portuária de costumes fáceis - e que o Apóstolo tratou de corrigir.

Naqueles dias, os cristãos costumavam reunir-se para ter uma refeição que servia de prólogo à celebração dos mistérios divinos. A refeição devia ser em comum; todos os cristãos, tanto ricos como pobres, traziam o que tinham e dividiam-no com os seus irmãos. Mas em Corinto os mais ricos e de melhor posição tinham o costum de chegar antes que os outros e, em tão restrita e agradável companhia, saborear até esgotar as coisas boas que haviam trazido. Desse modo, a preparação para a missa convertera-se para esses poucos num banquete ruidoso, e São Paulo, ao chamá-los ao sentido da decência, indica entre outras coisas que isso não era próprio de uma ocasião que, em certo sentido, devia ser uma manifestação de luto: não se podia participar de uma celebração eucarística sem associá-la à comemoração de uma morte; estavam anunciando a morte de Cristo até que Ele viesse de novo.

"Até que venha"... Que perspectiva teria São Paulo diante dos olhos ao usar essas palavras? Penso que, se lho tivéssemos perguntado, teria dito que não podia passar muito tempo sem que o seu Mestre retornasse na sua glória. Em todos os pontos daquele mundo mediterrâneo que o Apóstolo conhecia, o Evangelho tinha-se desenvolvido da noite para o dia, como o grão de mostarda da parábola. Em toda parte, as defesas dos antigos deuses já cambaleavam, como acontecia em Corinto, e os gentios começavam a converter-se. Por sua vez, o povo judeu não podia resistir por muito mais tempo a aceitar o Evangelho, já que as promessas eram para eles, e fora por eles em primeiro lugar que Cristo tinha morrido. E quando - dentro de poucos anos, por que não? - judeus e gentios se sentassem à mesma mesa, os céus voltariam a abrir-se e Cristo vivo desceria para julgar o mundo que Cristo moribundo tinha resgatado.

Fosse essa ou não a sua impressão, por menos que imaginasse que havia ainda um longo panorama de História aguardando o homem, podemos esatr certos de uma coisa: de que o Espírito SAnto o fazia escrever essas palavras para consolo dos que vivemos tão longe no tempo e num mundo tão diferente. Até que o Senhor venha, passarão idades e idades, e a Igreja ainda sofrerá mil mortes enquanto anuncia, com uma espécie de confiança desesperada, a morte do Mestre que ainda não retornou.

Anunciou-a quando escravos e patrícios, fingindo pertencer a uma associação funerária, se reuniam pela calada da noite, entre túmulos e altares pagãos, nas longas galerias subterrâneas que correm misteriosamente sob a superfície dos subúrbios de Roma. Continuou a anunciá-la nos desvãos secretos de velhas mansões campestres, em lugares escondidos dos montes, quando os nossos pais foram perseguidos e os seus sacerdotes mortos por amor à missa e aos ritos antigos. Voltou a anunciá-la em campos de concentração e em prisões sujas, onde católicos deportados arranjavam maneira de conseguir o estritamente necessário para que se celebrasse um sacrifício válido. E cristo ainda não retornou.

Que significam as palavras de São Paulo quando diz que, ao participarmos do sacrificio eucarístico e comungarmos, anunciamos a morte do Senhor? Quando inclinamos a cabeça diante das relíquias de um mártir, de certo modo anunciamos a sua morte. Proclamamos que a morte desse homem foi mais preciosa que as mortes comuns, pois foi a prova suprema da sua lealdade e o seu título para merecer a glória do céu; os seus restos mortais são como que um troféu da sua vitória e não duvidamos de que, por Providência de Deus, possuem uma graça e uma influência que poderão servir-nos de ajuda nas nossas necessidades. O santo está vivo, mas no céu; tudo o que aqui nos resta são ossos de um corpo morto. Mas não importa, pois o que anunciamos é a sua morte, e é adequado que o façamos pondo-nos em contato com essa parte muda do seu ser que lembra a forma heróica como morreu.

É isto o que São Paulo quer dizer? Que na sagrada comunhão recebemos o corpo morto de Cristo? O católico que aceitasse semelhante conclusão estaria muito mal instruído. Porque, na comunhão, o que recebemos é precisamente o corpo ressuscitado, o corpo vivo de Cristo. Se o nosso coração arde no nosso peito quando voltamos da mesa da comunhão, é porque, da mesma forma que os dois discípulos no caminho de Emaús, demos hospitalidade a Cristo ressuscitado, ainda que escondido sob uma forma que não nos permite reconhecê-lo.
 
O corpo ressuscitado, que podia ignorar as leis da natureza, entrou em nós para nos infundir energia com o seu poder sobrenatural. O corpo ressuscitado, que subiu ao céu na presença dos Apóstolos, entrou em nós para plantar no nosso corpo a semente da imortalidade. Como podia ser o seu corpo morto? Esse não existe, nunca existiu, exceto durante o breve intervalo que decorreu entre a tarde da Sexta-Feira Santa e a manhã do Domingo de Páscoa. Quando veneramos as relíquias de um santo, vemo-lo nelas, mas morto. Quando veneramos Cristo no altar, está ali vivo, embora viva sem ser visto.

Como, pois, nos diz São Paulo que anunciamos a morte de Cristo quando comungamos? Não foi ele que escreveu: Cristo, agora que ressuscitou dentre os mortos, já não morre? (Rom 6,9). Não foi ele que escreveu: Muito embora tenhamos conhecido Cristo dessa maneira [segundo a carne, de um modo humano], agora já não o julgamos assim? (2 Cor 5,16). Por que nos diz então que, ao invés de dizer que anunciamos a vida de Cristo, a ressurreição de Cristo? Porque a Sagrada Eucaristia não consiste somente na consagração do pão e do vinho e na sua recepção pelos fiéis, mas é algo mais, é um sacrifício. E como sacrifício que é, exige de certo modo que a vítima se ofereça à morte, a fim de que essa morte seja aplicada às nossas necessidades. O que se anuncia nesses mistérios é Cristo que vai morrer, Cristo morrendo, não Cristo morto.

Cristo morrendo... Do ponto de vista histórico, Cristo só podia morrer uma vez; é próprio dos homens morrer uma só vez, e Ele era homem. Podemos dizer, se quisermos, que o Sacrifício da Missa é o eco, a onda, repetida dia após dia, século após século, do sacrifício que Ele fez uma vez e para sempre na cruz. Um eco, uma onda..., são metáforas talvez úteis e gratas, mas não passam de metáforas.

O sacrifício da Missa é um mistério cuja relação como sacrifício da cruz talvez seja o aspecto mais misterioso de todos, mas uma coisa é certa: a vítima que nele se apresenta ao Pai eterno para interceder por nós é Cristo moribundo. Foi nessa situação que Ele advogou e advoga pela nossa salvação, que Ele redimiu e redime os nossos pecados. Anunciamos essa morte na Missa, não como algo que se renova misticamente enquanto se pronunciam as palavras da consagração.

Desde o momento em que morreu no Calvário até o momento em que virá de novo na sua glória, Cristo moribundo atua continuamente, está continuamente disponível. É nessa situação à beira da morte que intercede por nós quando se oferece na Missa. E é nessa situação – ainda vivo – que vem a nós na sagrada comunhão. Isto é o meu corpo que será entregue por vós...; este é o cálice do meu sangue, [...] que será derramado por vós: assim disse aos Apóstolos quando a sua morte estava ainda no futuro, e assim nos diz agora que a sua morte está no passado.

Não é de estranhar que a Igreja, que anuncia a sua morte um dia após outro, tenha assimilado o seu caráter de vítima. O ciclo de vida que Cristo assumiu no corpo natural que tomou da Virgem, sofre-o de novo no seu corpo místico, que é a Igreja. São Paulo sabia-o desde o instante em que caiu ofuscado na estrada de Damasco e ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? O Apóstolo alegrava-se com os seus próprios sofrimentos porque o ajudavam a suprir na sua carne o que falta às tribulações de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja (Col 1,24). Com que freqüência os homens nos dizem, num tom meio de compaixão, meio de desprezo, que pertencemos a uma religião moribunda! Aceitemos o símbolo, orgulhemo-nos da acusação, porque realmente pertencemos e sempre pertenceremos a uma religião moribunda: desde o primeiro momento em que nos refugiamos nas catacumbas até o fim dos tempos. É assim que prossegue a obra da salvação dos homens, e é por isso que a missão da Igreja é anunciar a morte do divino Mestre, até que venha de novo.

E como se aplica tudo isto a nós? Não há dúvida de que, quando vamos comungar, devemos pensar, entre outras coisas: “Isto é o seu corpo, que foi dado por mim; este é o seu sangue, que foi derramado por mim. Depois de todo este intervalo de tempo, Ele continua a vir a mim na condição de vítima. E quer imprimir um pouco dessa condição em mim: eu devo ser a cera e Ele o selo”. Não diz a Imitação de Cristo que cabe a todo o cristão levar uma vida moribunda? Talvez não esteja ao meu alcance penetrar muito profundamente nas disposições do meu Salvador crucificado, mas... o que podia, sim, era ser mais humilde quando fracasso, mais resignado quando as coisas não me correm bem, menos ansioso por traçar um gráfico dos meus progressos na virtude, mais disposto a deixar Cristo fazer em mim o que quiser, sem me dizer palavra.

Se eu pudesse morrer um pouco para o mundo, para os meus desejos, para mim mesmo! Se pudesse per paciente e esperar a vinda do Senhor, conformando-me, para anunciar a sua morte, com ir embora na sua companhia!

Pe. Ronaldo Knox, Reflexões Sobre a Eucaristia, São Paulo: Quadrante, 2005. Cap IV, pp. 32-38.
Blog Widget by LinkWithin

2 comentários:

  1. Você precisa ler mais... Se sua opinião é apenas repetir textos da Opus Dei, você nunca terá senso crítico, nem saberá distinguir o que é verdadeiro do falso. Lembre-se, fé e razão devem andar juntas...

    ResponderExcluir
  2. Rs... é cada coisa que me aparece...

    Primeiro, vc afirma que preciso ler mais; isto deve ser porque eu postei um texto que vc não aprecia e que, provavelmente, sequer entendeu. Mas, realmente, preciso ler mais, preciso rezar mais, preciso ser melhor em todas as áreas possíveis. Será que vc não?

    Agora, o que me surpreende é a coragem destes comentadores anônimos que sequer atentam em colocar o nome no que escrevem.. E vêm me dar conselhos...

    Depois, o que chamas de senso crítico? Criticar tudo a priori? É isto o que chamas juntar "fé e razão"? E pelo que escreves, parece que o pessoal do Opus Dei são um bando de fanáticos, o que invalidaria, desde antes, qualquer coisa que fizessem... É isto o que chamas de "senso crítico"?

    Aliás, se tens mesmo este senso de que falas, pq não argumentou contra o texto? Qual o problema que viste neste texto? Que tipo de inteligência é essa que só diz que não gostou e não aponta os supostos problemas do texto? Eu hein.. Quem age assim são as crianças que, quando vc oferece um doce que não gostam, simplesmente dizem: "num gosto". A sua resposta parece muito com isso, se bem que vc acrescentou que é preciso ter "senso crítico". Me pergunto se vc sabe o que é isso... Ou se está a repetir o que leu em algum lugar..

    mas me diga: por que o texto acima estaria desprovido de "razão"? Porque, pra mim, parece um texto, no mínimo, inteligente. E se o posto aqui não é porque não leio outras coisas...

    Agora, fico muito curioso para saber o critério que usas para dizer se um texto é ou não interessante. Seria, por acaso, a consonância dele com alguma certa ideologia esquerdista, ou seria ainda o nível de distanciamento com a teologia tradicional, medieval, gótica, obscura, blá blá blá, da Igreja?

    Fé e razão devem andar juntas sim, concordo. Se bem que reconheçamos a hierarquia entre ambas, sendo que a razão se submete à fé, que a cura da ignorância e do erro e a ilumina.

    Porém, neste seu comentário, talvez por ter sido tão breve, não vejo qualquer demonstração, nem de Fé nem de inteligência.

    Fico à espera de que vc volte a escrever neste blog, pq se sua intenção foi realmente chamar-me a atenção para algo, claro que vc não rejeitará meu convite para que seja mais claro no que pretende.

    Desafio-o, ainda, a provar por que o Opus Dei, no seu discurso, seria avesso à união entre Fé e razão.

    Fico à espera.

    ResponderExcluir

Fique à vontade para comentar. Mas, se for criticar, atenha-se aos argumentos. Pax.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...