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Sobre os católicos “não praticantes” e que "acham" alguma coisa



Gustavo Corção

Por mais que procuremos, com todos os recursos das artes e das ciências, uma solução intermediária entre a existência e a não existência de Deus, somos forçados a declarar com toda a honestidade que não a encontramos. (...) Em relação ao cristianismo, o meio termo que o mundo civilizado descobriu é feito de sentimentos e opiniões, isto é, dispensa a própria realidade do Cristo.

Quando alguém descobre que a mensagem de Jesus concorda em alguns pontos com suas próprias opiniões, declara-se católico, mas, para marcar uma distância decente entre essa posição de bem-pensante e a piedade, logo acrescenta que não é praticante. Está assentado, nesses casos, que a religião gispensa a realidade substantiva, uma vez que possui valores adjetivos. Não pesa o Cristo onde os derivados de seu nome satisfazem. Para essas pessoas que praticam a religão da palavra desencarnada, a última realidade é o modo de pensar de cada um.

A expressão corrente católico praticante nasceu desse equívoco sobre a verdadeira essência do catolicismo, e permite supor que o maior favor que um homem pode fazer a Deus é concordar com as consequências cívicas de Seu verbo. Ora, é bom advertir que quem não pratica não é católico, não o é no sentido absoluto, como não é casado quem não casou, por mais irrestrita que seja sua simpatia pelo estado conjugal.

Para esclarecer esse ponto devemos lembrar que o batismo é a primeira prática e a mais decisiva porque imprime caráter. O batizado que declara não ser praticante está, não somente recusando o convívio do noivado, a participação nos preparativos da festa, o pão e o vinho, como também renegando a incorporação ontológica do seu próprio batismo. E esse, por mais que negue, é praticante, mas mau e infiel praticante, mau e infiel católico, noivo que não convive o noivado e ainda tenta convencer que não recebeu o beijo da promessa.

Esses falariam mais baixo, com menos desembaraço, se devessem explicar aos amigos e parentes que são católicos excomungados. A Igreja não faz grande caso dessas simpatias distantes, desse ofertório truncado como aquela entrega de Ananias e sua mulher ao apóstolo Pedro, e em troca dessa concordância de opiniões, do favor de uma educada adesão, a “mulher forte” tem palavras para dizer o que é na realidade este simpatizante: um excomungado.

Na verdade, leitor, o absoluto não admite meio termo. Ou o Cristo é ou não é. Ou é o Verbo encarnado que falou de si mesmo, ou não é. E diante deste absoluto eu pergunto: (...) Se o Cristo é, em que pode sofrer Sua existência, se você emitir amanhã no clube uma opinão contrária entre duas cartadas de pôquer? Vale a pena pensar nisso com toda a atenção porque é perfeitamente possível, e um enorme depoimento o testemunha, que o Cristo seja o Cristo. Não lhe ocorre, leitor, a idéia muito simples, no meio de outras idéias, que uma idéia não basta? Não lhe ocorre que a única probabilidade no mundo para que todas as opiniões sejam as vestes de um corpo e retamente garantidas pela forma desse corpo, esteja na existência do Logos que já era desde o princípio? Vale a pena pensar nisso; vale a pena à noite, antes de dormir, apalpar-se peito e pernas, sentir a própria carne, para ter um anelo de realidade e o máximo desejo de participar nesse Logos.

Gustavo Corção, A Descoberta do Outro, Cap XVII, pp. 145-146.
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