Tradutor / Translator


English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

Para o cristão, a morte não é termo, mas transfiguração da vida - Diferença entre Aristóteles e S. Paulo



Gabrielle Bossis: "O que me dirás, Jesus, quando eu morrer?"
Jesus: "Eu te direi bom dia..."

**
Dom Estêvão Bettencourt

Em sua Retórica (II 12s), o grande filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), procurando caracterizar a juventude e a velhice da vida humana, afirmava que os jovens vivem para os valores morais e artísticos; concebem um ideal de virtude, mesmo de heroísmo, cuja beleza os atrai e ao qual se entregam sem medir coeficientes de ordem material;  gastam desmedidamente forças físicas e haveres na consecução do seu ideal. Numa palavra: "vivem para o belo (pro to kalón), não para o útil (o interesse pessoal)". Razão disto é que sentem em si uma vitalidade ardorosa, a qual leva a procurar o que o homem pode conceber de mais nobre, o belo e o bem (moral) dos gregos; é justamente a consciência de possuir a vida que neles desperta elevadas aspirações. 

- Consequentemente, para Aristóteles, os anciãos, experimentando o definhar lento das forças físicas, vivem não mais para um ideal de bravura e beleza, mas para o interesse particular; visam, antes do mais, baseados em cálculos e especulações, aquilo que lhes possa trazer proveito físico, conservar a existência; numa palavra: vivem não mais para o belo, mas para o útil, o interesse pessoal.

Esta caracterização do ancião não deixa de impressionar: significa uma retorsão total da anterior, uma desdita às aspirações mais espontâneas e mais nobres da natureza humana. É lógica, porém: a vida é o fundamento pressuposto a todo e qualquer ideal que o homem possa conceber. Ora, Aristóteles e seus contemporâneos, só conhecendo a vida neste corpo, julgavam que as aparições variam, chegando mesmo a deturpar-se e renegar-se, de acordo com o grau de vitalidade que o homem experimenta nas sucessivas idades de sua vida.

O quadro é triste. Pergunta-se, porém: estará, de fato, o homem destinado a renegar seus ideais mais nobres? Ou será que a natureza, sugerindo-lhe esta renegação, não foi ela mesma originariamente renegada, contrariada?

O fato é que, três séculos mais tarde, um outro pensador, que tomara conhecimento profundo do Evangelho, da mensagem da ressurreição e vida eterna, S. Paulo, manifestava um modo de ver bem diferente. Para o percebermos, basta dizer que o Apóstolo escreveu treze epístolas, sendo as três últimas, ditas Pastorais, devidas a Paulo quase septuagenário, encarcerado em Roma e consciente de que estava prestes a ser condenado à morte. Pois bem: ao passo que nas dez epístolas anteriores o Apóstolo empregava vinte vezes o termo kalón ("belo e bem moral"), nas três pastorais ele o usou vinte e quatro vezes, e geralmente como adjetivo aposto aos diversos substantivos com que delineava a vida cristã. A mente de São Paulo aparece, assim, impregnada pelo ideal da beleza, pelas aspirações supremas, na idade decrépita muito mais ainda do que no vigor dos anos. 

Que contraste com o quadro anterior proposto pelo homem pagão, por muito sensato que este fosse! E qual a razão de ser deste contraste? É que justamente S. Paulo percebia o sentido que a morte tomou após Cristo, sentido que o homem antes de Cristo não podia perceber: enquanto este a julgava termo da existência humana, Paulo a via como etapa ou passagem para outra vida, muito mais rica e fecunda do que a terrestre; por isto também, quanto mais próximo se achava da morte, tanto mais afirmava os valores da mente humana, pois sabia que o seu definhar na vida terrestre era, na realidade, um rejuvenescimento para a vida verdadeira, eterna.

Eis como a morte, para o cristão, importa em autêntico desabrochar, em vez de extinção da personalidade. Ela pode e deve ser dita "transfiguração" do discípulo de Cristo.

Dom Estêvão Bettencourt, A Vida Que Começa Com a Morte

**

"Escrevo-vos, possuído do amor da morte;... 
há em mim uma água viva que fala e dentro de mim diz: "Vem ao Pai." 
Sto Inácio de Antioquia († cerca do ano 110)
Blog Widget by LinkWithin

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fique à vontade para comentar. Mas, se for criticar, atenha-se aos argumentos. Pax.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...