Pessoal, levando em consideração todo este clima de fim dos tempos, quero dar-vos a conhecer um interessantíssimo texto de Dom Estêvão Bettencourt sobre a ocorrência destes tipos de "profecia" ao longo da história e, para tal, passo a transcrevê-lo por partes. Sugiro que, além do texto propriamente dito, sejam lidas também as notas de rodapé, algumas das quais trazem informações muito ilustrativas. Boa leitura.
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A pergunta dos Apóstolos, desejosos de saber quando se daria a consumação da História, é muito espontânea na mente do homem. Desgraças e calamidades que acometem periodicamente os indivíduos e as nações lembram a instabilidade do mundo presente e têm incitado, através dos séculos, a conjeturar, mediante a combinação, ora mais ora menos arbitrárias, de "sinais", uma catástrofe próxima definitiva para a História.
Não será inútil percorrer a lista das principais "profecias" já enunciadas sobre o assunto. Esta visão de conjunto facilitará um juízo sobre o que se deva pensar no tocante à época do fim do mundo.
1- As diversas previsões
a) Na Antiguidade Pagã
O mundo pagão, nos decênios que cercam o nascimento de Cristo, estava impregnado de forte expectativa de catástrofe e renovação; o que em muitos indivíduos produzia acentuado pessimismo; em outros, ao contrário, esperança jubilosa.
O brilho e a prosperidade que o império romano atingira sob Augusto († 14) e Tibério († 37), começaram a declinar rapidamente sob Calígula († 41), monarca pouco idôneo; Cláudio († 54) permitiu que mulheres depravadas (Messalina, Agripina) e seus cortesãos cometessem crimes de ambição e vingança que muito infelicitavam a vida pública. A isto pareciam associar-se estranhos fenômenos na natureza; falava-se de cometas de mau agouro recém-avistados, chuvas de sangue, partos monstruosos, pestes, inundações, raios que espedaçavam estátuas de imperadores e templos da divindade. Em consequência, julgava-se que o mundo caminhava para o seu fim. Não faltavam, porém, vozes que procuravam reerguer os ânimos abatidos; do Oriente soprava uma onda de expectativa otimista; pelos oráculos das Sibilas (figuras mitológicas e proféticas dos orientais) propalava-se a idéia de que viria uma nova fase da História; um ser divino-humano, nascido de uma virgem, apaziguaria a cólera da divindade provocada pelos homens e introduziria no mundo uma era de bonança, era de Saturno - ou de ouro. Esta crença, recebida diretamente da Sibila de Cuméia, foi adotada e elegantemente formulada pelo poeta romano Virgílio († 19 a.C.) em sua famosa quarta écloga.
Aos olhos da fé, esta expectativa de renovação no limiar da era cristã tem caráter providencial. Suscitando-a, Deus preparava os ânimos para receberem o Salvador, que haveria de ser apregoado ao mundo como a resposta autêntica aos anelos do gênero humano; poria, de fato, um fim e um novo início na História universal.
b) Entre os judeus antigos
Contemporaneamente ao que se dava entre os pagãos, também no povo judaico era forte a crença de que próximo estava o "dia do Senhor", ou seja, a vinda do Messias, que havia de se tornar o Chefe religioso e político de seu povo. Libertaria a este e exerceria julgamento punidor sobre os pagãos que o oprimiam, restaurando, por fim, a era paradisíaca (cf. 4 Esdr 5,1-20; 6-35-7,45). Donde o grande número de falsos messias que surgiram pouco antes e depois de Cristo.1
c) Entre os cristãos do 1º século.
Não há dúvida de que as idéias ventiladas pelos pagãos e judeus concorriam para avivar entre os fiéis a expectativa de que o Senhor Jesus não tardaria a voltar; tenham-se em vista as epístolas nos tessalonicences, aos hebreus e a 1 Pdr (6º/8º decênis d.C.), em que os Apóstolos procuraram reanimar os pusilânimes, que, diante da demora de Cristo, perdiam a esperança, e também a fé, no Evangelho. Em Tessalônica, os cristãos, esperando o Senhor de um dia para outro, já não trabalhavam mais, entregando-se ao ócio e às divagações da fantasia; isto disseminava a inquietude entre os irmãos e acarretava graves desordens morais (cf. 2 Tes 3,10-12).
d) No Cristianismo até o início da Idade Média
A tensão escatológica chegou ao extremo em fins do séc. 2º e inícios do 3º, na Ásia Menor. Montano e suas duas profetizas Priscila e Maximila, apregoaram a vida iminente do Paráclito, prometido por Jesus em Jo 16; acabar-se-ia então o mundo presente para dar lugar ao Reino de Deus. Demonstrações de fanatismo se produziram em consequência.2
Todavia, a expectativa de um iminente fim do mundo se foi dissipando com o decorrer dos tempos. Isto não impedia que certos cristãos procurassem, por cálculos e conjeturas, perscrutar a época da catástrofe final, que, se não estava às portas, não podia tardar muito... Assim:
O Ps. Barnabé, em fins do séc. 1º ou inícios do 2º, afirmava que o ano 6000 após a criação do mundo seria o ano terminal da História.Razão alegada: conforme Gen 2,2, Deus consumou o mundo em seis dias; ora, um dia para Deus equivale a mil anos dos homens, segundo Sl 89,4. Donde se seguia que, no seu ano 6000 a História deste mundo deveria estar consumada (cf. epist. 15,4). Sto Irineu († cerca de 202) repetia a mesma tese;3
S. Hipólito de Roma († 235), partindo dos mesmos princípios, ainda precisava que o ano final seria o de 500, já que entre Adão e Cristo haviam decorrido 5500 anos.;4
S. Ambrósio († cerca de 397) e S. Hilário de Poitiers († 367) apoiavam a tese do Ps. Barnabé sobre o fato de que Jesus se transfigurou sobre o Tabor seis dias depois de ter dito aos discípulos: "Em verdade vos digo: há alguns aqui presentes que não provarão a morte antes de ter visto o Filho do homem vindo em seu reino." (Cf. Mt 16,28 e 17,1). A Transfiguração, produzida seis dias mais tarde, significaria, no caso, a volta do Cristo glorioso;5
S. Gaudêncio de Bréscia († após 405) indicava o ano 7000 (!) após a criação como data para a ressurreição universal. Apoiava-se no preceito da Lei mosaica que manda cessem todas as obras deste mundo no 7º dia da semana e entrem os fiéis no repouso de Deus (cf. Ex 12,16); ora, já que um dia de Deus equivale a mil anos dos homens (Cf. Sl 89,4), o ano 7000 seria o da cessação definitiva das obras deste mundo e o da ressurreição dos corpos;6
No séc. 5º a idéia da iminência do fim do mundo foi de novo avivada pelo desenrolar dos acontecimentos: invasões dos Godos assolavam o Império Romano e sua capital, até que, em 476, Odoacre se apoderou de Roma, destituindo o último imperador, Rômulo Augusto. A queda da cidade que até então fora um foco de civilização, união e bem-estar entre os povos parecia ser prognóstico eloquente de que o mundo não subsistiria; como poderia continuar a História sem a orientaçao de Roma? Estes anseios são calorosamente testemunhados por S. Jerônimo († 420), S. João Crisóstomo († 407), S. Leão Magno († 461);7
Ainda no séc. 6/7, S. Gregório Magno († 604), em suas pregações, indicava como próxima a vindade Cristo, já que as guerras e as misérias da época pareciam ser os sinais precursores da parusia.8
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1- Cf. At 5,36s; Flávio José, Ant. iud. 20,5,1; S. Justino, Apol. 1,31; Eusébio, Hist, eccl. 4,6,2.
2- Eis o que refere Hipólito Romano em inícios do séc. 3º:
"Um bispo da Síria persuadiu muitos irmãos a irem para o deserto ao encontro de Cristo, com suas esposas e seus filhos; estes vaguearam pelas montanhas ao longo das estradas; pouco faltou para que o Governador os mandasse prender como salteadores... No Ponto, outro bispo, homem piedoso e humilde, mas demasiado confiante em suas visões, teve três sonhos e pôs-se a profetizar: "Acontecerá isto e aquilo." E, por fim: "Sabei, irmãos, que o juízo se realizará dentro de um ano, e, caso não aconteça o que vos digo, não deis ais fé às Escrituras, mas procedei como bem quiserdes." Ora, nada do previso se verificou; o bispo se viu confuso, os irmãos se escandalizaram, as virgens se casaram e os que haviam vendido seus campos foram obrigados a mendigar." (In Danielem 3. 18s.)
3- Adv. Haer. 5,23,2.
4- In Danielem 4,23
5- Cf. Sto Agostinho, in Lc 7,7; Sto Hilário, in Mt 17,2.
6- Serm. 10.
7- Cf. S. Jerônimo, ep. 71,11 (o Santo Doutor comenta 2 Tes 2,5); Lactâncio († após 317) já antes escrevera: "Esta (Roma) é a cidade que ainda tudo sustenta." (Divinae Institutiones 7,25,5.)
Vejam-se também S. João Crisóstomo, In Mt h. 20,6; In Io 34,3; S. Leão Magno, serm. 19,1.
8- Moral. 17,9,11.
BETTENCOURT, Dom Estêvão. A Vida Que Começa Com a Morte. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Agir. 1963. Pp. 190-193
S. Gregório Magno († 604), em suas pregações, indicava como próxima a vindade Cristo, já que as guerras e as misérias da época pareciam ser os sinais precursores da parusia.8
ResponderExcluirQue bizarro. Muito interessante esse texto. Não tinha conhecimento disso. Até os Santos deram uma de Harold Camping.
Pois é, rsrs.
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