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Sobre o "dom de línguas" e os exorcismos - uma tentativa de elucidação

Na foto, o Pe. Fortea

Estes dias, conversando com uma amiga, nos ocorreu uma idéia em comum - algo que eu vinha já pensando nessa semana - e que diz respeito ao modo como compreendemos a dita "Oração em Línguas", típica da RCC e das demais denominações pentecostais.

Todos os amigos já sabem que nos opomos frontalmente a esta prática e, por diversas vezes, já dissemos das razões de assumirmos esta posição. Para que melhor sejam acompanhadas estas nossas reflexões, sugerimos a anterior leitura destes artigos - um, dois, três - onde vão expostos grande parte dos argumentos que sustentamos contra a chamada "Oração em Línguas" tal como entendida e praticada hoje nos movimentos de cunho pentecostal. Além dos referidos artigos, queremos propôr ainda estes outros - um, dois, três - a título de aprofundamento. Sugiro o download, também, deste livro. Havia, ainda, um trabalho de um Monge Eremita que, porém, não consegui encontrar agora. Enfim...

Quando estudamos direito estas coisas, notamos que, definitivamente, esta prática não tem fundamento nem na Escritura nem na Tradição da Igreja. Os santos doutores, sempre que faziam referências aos dons autênticos experienciados no início da Igreja, defendiam o caráter inteligível do dom de línguas. Inúmeros santos que, por sua vez, receberam este dom, atestam que a sua finalidade era, sempre, facilitar a comunicação, isto é, fazer-se entender.

Quando, porém, olhamos para a glossolalia - termo técnico da oração em línguas estranhas - , notamos uma absoluta discrepância entre ela e o que sempre foi ensinado e vivido pela Santa Igreja. A coisa fica ainda mais gritante quando descobrimos que as primeiras manifestações desta prática surgem em ambiente protestante e trazem por base um equívoco de compreensão resultante de um equívoco de tradução bíblica. O termo "estrangeiro" - relativo a outros países - confundido com "estranho" - desconhecido - contribuiu em muito para que a suposta forma de oração viesse a existir.

Se, no início, o dom de línguas cumpria a função de facilitar a pregação dos apóstolos que, enviados a todas as nações, precisavam dar conta de evangelizar sem terem, antes, de aprender os idiomas estrangeiros, nos tempos atuais os receptores do suposto dom sequer se entendem a si mesmos. Sempre foi notado, além disto, a oposição entre o fenômeno de Pentecostes e o ocorrido na Torre de Babel. Enquanto, neste último evento, os homens soberbos foram confundidos em seus idiomas e, daí, não mais se entendiam, no Pentecostes nós contemplamos o oposto: animados pelo Espírito Santo, os Apóstolos são revestidos de humildade, o que desfaz a confusão de Babel e permite que todos os homens passem a se entender, não obstante procedam de diferentes nações. É assim que, hoje, a Igreja, embora esteja estendida em todo o mundo, fala sempre a mesma língua.

O fato de repetir sons ininteligíveis (= não compreensível) e crer que, com isto, está-se a rezar e a abrir-se aos dons de Deus - para os carismáticos, a oração em línguas é a porta para os demais dons - se assemelha muito mais às práticas de cunho gnóstico que, avessas à racionalidade, pregam um tipo de acesso alternativo à verdade, à qual se acredita alcançar não mais por argumentos, mas por meios irracionais - como a dita oração -, pela busca de emoções e sensações exageradas e pela valoração de experiências semelhantes ao devaneio, como as visualizações, os sonhos, etc. Tudo isto, obviamente, somente se encontra num contexto de subjetivismo bem acentuado, muito próprio do protestantismo. A oração em línguas, além disto, se assemelha muito aos ritos iniciáticos, próprios da Gnose, pois, entre os carismáticos, ela é como que um dom inicial a partir do qual o sujeito se inseriu efetivamente na dinâmica pentecostal.

Tudo bem. Tudo isto pode ser entendido por qualquer pessoa que esteja animada de boa vontade. Porém, não faz muito tempo que algo no mínimo curioso surgiu e chamou nossa atenção: alguns exorcistas afirmaram surpreendentemente que a oração em línguas, tal como entendida modernamente, tem eficácia nas sessões de exorcismos. Segundo eles, os demônios manifestariam clara aversão a esta prática.

Entre os exorcistas que o afirmam, está o Pe. José Fortea, o Pe. Elias Vela e o Pe. Gabrielle Amorth, sendo este último o exorcista oficial do Vaticano. Pois bem. O que dizer disto?

Este é um problema que não pode ser ignorado por quem quer que, munido de sinceridade, se interesse pelo assunto. Para nós seria muito fácil e confortável simplesmente ignorar o fato e passar-lhe ao largo. Porém, como é tema recorrente nosso, e como temos sempre contato com carismáticos, considero importante que tentemos pelo menos oferecer algum esboço de resolução da questão. Não sei se há trabalhos semelhantes em fontes confiáveis. Seja como for, submetemos, sempre, tudo quanto escrevermos ao juízo infalível da Mãe e Mestra Igreja.

Duas atitudes, aqui, se revelam problemáticas: a primeira, muito comum entre os carismáticos, seria aquela que, ao ter contato com as afirmações destes sacerdotes, se aferraria a elas num solene desprezo de tudo quanto a teologia e a história afirmam com tanta clareza. Esta recusa voluntária às verdades teológicas em função  de certas experiências individuais é a marca da heresia, que significa justamente isto: escolher um caminho pessoal, diferente do da Igreja.

Outra atitude, também não sincera, seria a de fazer vista grossa aos testemunhos consensuais destes exorcistas, como se não existissem. É possível contestá-los, desde que se o faça a partir de razões, e não por mera abstenção de juízo. Do Pe. Elias eu não sei, mas os outros dois são exorcistas experimentadíssimos e tudo leva a crer que não falariam irresponsavelmente de um assunto como este.

A contradição entre o ensino da Igreja e a afirmação dos padres é evidente (o Pe. Fortea, aliás, embora se diga bastante tradicional, parece proferir certas coisas meio suspeitas no seu video). E, se há esta contradição, forçoso é que um dos lados esteja correto e o outro esteja errado. Se existe uma terceira alternativa que não signifique a relativização de uma das partes, eu não a vejo. Se alguém a percebe, por favor, contribua conosco para a elucidação deste assunto.

Embora o problema tenha sua dificuldade, ele não é insolúvel e, se a contradição que afirmamos é verdadeira, já estará claro ao católico não de todo alheio à Teologia a qual parte deveríamos dar a nossa adesão.

Deixemos tudo claro, portanto. O grande critério da Igreja - de todos os santos, em toda a história - para saber se algo está correto ou não, é o fato de este algo concordar ou destoar da Doutrina Católica. E por que isso? É dogma da Igreja que ela é infalível em termos de Fé e Moral. Obviamente, o assunto dos carismas inclui-se no âmbito da Fé, sendo objeto da Doutrina. Se a Igreja, portanto, é infalível nesta área, isto é, se não é possível que ela erre quanto a isto, segue-se que tudo quanto a contradiga incorre necessariamente em equívoco.

Deveríamos, portanto, aceitar o testemunho dos santos e doutores, particularmente o de Sto Tomás de Aquino, que afirmam o caráter inteligível (=compreensível) - e, portanto, totalmente oposto ao "dom" moderno - do autêntico carisma das línguas. E este não seria o único ponto da glossolalia a ferir o ensino católico; em várias outras partes, há total discrepância. O simples fato de este fenômeno ter tido início em terreno protestante e até hoje ser exercido lá de modo essencialmente semelhante ao que se dá em reuniões carismáticas é um problema grave que contraria frontalmente a Teologia Católica. Sempre foi - até pouco tempo atrás - consenso na Igreja o fato de que Deus não age extraordinariamente fora do Seu Corpo Místico. E, como todos sabemos, este corpo restringe-se à Igreja. Embora esta assertiva exija uma certa explicação, qualquer afirmação diferente dela exclui-se, na mesma medida em que difere, do âmbito católico.

Como ficam, então, os referidos padres? Dir-se-á que não são católicos? De modo nenhum! Nem tampouco se afirmará que mentiram. O que revelaram provém, sem dúvida, de uma constatação empírica: diante desta prática pentecostal, deste suposto carisma, estes padres viram manifestações visíveis de desagrado provindas de pessoas possessas. E o que dizer disso?

Se assumimos que a Igreja não erra em termos de doutrina e se entendemos que a aceitação da glossolalia pentecostal implica vários problemas teológicos, já podemos afirmar que o erro está, claramente, na afirmação dos padres. Desconsiderando a possibilidade - realmente ínfima ou mesmo nula - de terem mentido, é forçoso dizer que se enganaram. Isto é possível?  Dir-se-á que sim, desde que seja com relação a uma pessoa qualquer. Mas, em se tratando de exorcistas, será mesmo crível que tenham caído num tal engodo?

O assunto é muito extenso, e quanto mais avanço a argumentação, mais percebo que muito é o que há por falar a fim de retirar, tanto quanto possível, os equívocos. Além desta dificuldade, inerente ao próprio assunto - pois é tema profundo - resta ainda que seja terreno que naturalmente extrapola o nosso entendimento. Não sabemos muito a respeito e também não é objeto particular de nosso estudo, embora, como já dissemos, seja tema que nos interesse.

Mas, continuemos.

Antes de tudo, é preciso reafirmar o caráter enganador do demônio. Desde o início, ele mostrou ser aquele que ludibria. Não à toa, foi chamado de o "pai da mentira" e S. Paulo escreveu que ele pode se mostrar como "anjo de luz". Todos os mestres da vida espiritual, particularmente aqueles que o enfrentaram mais diretamente, recomendam que ninguém alimente conversas com estes anjos caídos, nem com eles debata. Por que motivo?

Os demônios têm natureza angélica. Portanto, eles têm uma inteligência muito mais profunda que a de qualquer humano. Isto faz com que eles conheçam todos os pontos fracos da nossa natureza. Sabem bastante de cada um de nós e poderiam facilmente apelar para as nossas fraquezas. Eles vivem a fazê-lo quando nos tentam. Lembremos ainda que, não tendo corpos, os demônios são seres intelectuais; portanto, são especialistas em argumentar; são perfeitos sofistas. Que dificuldade teria, então, um demônio em ludibriar um homem? Eles estão continuamente fazendo que a humanidade acredite nas suas armações. Basta olharmos para o mundo e veremos que o ser humano aparece como um sujeito ridículo que sorri e faz festa enquanto é enganado.

Porém, os que se estreitam a Deus adquirem uma maior sutileza de perceber as maquinações demoníacas. E espera-se que este tipo de sabedoria esteja de modo particular num exorcista. Certa vez, o Pe. Gabrielle afirmou que os padres exorcistas devem ser escolhidos entre a fina flor do clero, isto é, entre os mais santos e mais sábios. Como já dito, se assim é, parece-nos cada vez mais improvável que estes sacerdotes de elite tenham se deixado enganar. Além disto, será que os demônios, sob uma sessão de exorcismo, simulariam um desgosto inexistente? É possível.

A história dos santos está cheia de situações que o demonstram. Basta dar uma olhada geral nos combates entre S. Pio de Pietrelcina e os demônios. Estes inimigos das almas são experientíssimos em estratégias de engano. Mas, para ilustrar o assunto, cito apenas um caso que aconteceu no tempo de S. João da Cruz. 

Nos seus Pequenos Tratados Espirituais, lê-se a história de uma religiosa que passou a apresentar sinais de suposta santidade. Avaliada por diversos sacerdotes e letrados, todos eram de parecer favorável à autenticidade de suas virtudes. O Pe. Fr. Nicolau de Jesus, porém, meio desconfiado, ordenou a esta irmã que escrevesse sobre sua oração e suas experiências e enviou o relato a S. João da Cruz, para que avaliasse. Rapidamente, o santo reconheceu a falsidade da sua virtude e acusou a influência demoníaca. Dentre outras coisas, respondeu o seguinte:

"O que eu aconselharia é que não mandem nem permitam escrever coisa alguma a esse respeito, nem o confessor mostre complacência em ouvi-la; ao contrário, procure dar pouco apreço e atalhar tais confidências; além disso, submetam-na à prova no exercício das virtudes, com todo rigor, principalmente no desprezo, humildade e obediência; e no som produzido pelo toque manifestar-se-á a brandura da alma causada por tantas mercês. E as provas hão de ser boas, porque demônio algum deixará de sofrer algo a troco de manter a sua honra."

S. João da Cruz está aqui a dizer que os demônios estão dispostos a sofrer e a serem humilhados, desde que, desse modo, consigam levar a cabo os seus intentos. Para um demônio, portanto, não lhe seria tão custoso simular uma aversão ao dom de línguas, desde que, deste modo, ele mantivesse, nas pessoas, a crença errônea de se tratava de um meio autêntico - e superior - de oração. Do que lhe valeria, ao contrário, rir-se desta prática, se desse modo viria a contribuir para que inúmeras almas, informadas posteriormente pelo padre, desacreditassem de todo deste costume totalmente heterodoxo?

Restam-nos, porém, alguns problemas a resolver. Primeiro, se fosse o caso de ter havido uma dissimulação, como estes padres experientes se deixariam enganar? Segundo, sabe-se que os demônios, durantes os exorcismos, estão sob a autoridade de Cristo e que são obrigados a dizer a verdade.

Sobre o primeiro ponto, vimos que, por mais que um ser humano seja inteligente, ele não iguala a natureza angélica. Esta última lhe é muito superior. Portanto, no que extrapola o âmbito estrito do exorcismo, não me parece tão difícil que, num possível diálogo, os demônios logrem enganar, mesmo padres experientes, a partir de encenações.

A grande dificuldade, porém, se concentra no segundo ponto: como os demônios poderiam mentir e dissimular estando sob a autoridade do exorcista, que é a autoridade de Cristo? É uma pergunta difícil, mas parece que, em se tratando de certos aspectos, isto é possível. Tomemos os próprios relatos dos exorcistas.

Há algum tempo atrás, o Pe. Gabrielle denunciou a existência de clérigos satanistas no Vaticano. Esta revelação surpreendente não tardou, porém, a ser rebatida pelo Pe. Fortea, que afirmou ser isto algo muito grave para se dizer. É interessante notar que o Pe. Gabrielle afirmava que, entre suas fontes, estavam as confissões de alguns demônios durante os exorcismos. Ora, como é possível, então, que o Pe. Fortea, sendo exorcista e conhecendo a autoridade de um padre exorcista sobre os demônios, conteste a afirmação do Pe. Gabrielle? O mesmo Pe. Fortea deixa claro em que se fundamenta a sua desconfiança. Escreve ele:

"Não é preciso dizer que saber quando um demônio diz ou não a verdade é, em muitos casos, impossível e completa "podemos saber com muita segurança quando um demônio diz a verdade na matéria diretamente relacionada com o exorcismo. Quer dizer, número de demônios, nome deles e coisas similares. Mas não podemos ter segurança no campo relativo a notícias concretas relativas a pessoas"

Ora, então é possível que o demônio invente coisas com relação a terceiros sem que o sacerdote possa verificar, de imediato, se o que foi dito procede ou não. O demônio estaria obrigado a dizer a estrita verdade somente com relação a informações imediatamente ligadas ao exorcismo, como sua identidade e número.

Se assim é, se o Pe. Fortea contesta o Pe. Gabrielle utilizando este argumento que, sem dúvida, é verdadeiro, dada a especialidade do padre no assunto, então poderíamos contestar a afirmação do Pe. Fortea a respeito da oração em línguas. 

Além disto, pelo que vimos, o padre não afirmou que o demônio tenha falado algo a respeito. Ele apenas teria reagido com aversão. Ora, quem quer que tenha visto algo de um exorcismo, perceberá que, dentre outras coisas, o demônio faz caretas, dá sorrisos desaforados, diz sarcasmos, etc. Não vejo, portanto, a dificuldade de que possa ter simulado qualquer tipo de "incômodo".

Se formos, porém, ao relato do Pe. Gabrielle, veremos que, enquanto ele realizava um de seus inúmeros exorcismos, alguns carismáticos de uma igreja a uma certa distância de onde estava, rezavam "em línguas". Diz o Pe. Gabrielle que o demônio teria perguntado quem seriam aqueles que rezavam daquele modo, pois que o açoitavam. Aqui o demônio teria sido bem mais expressivo; porém, esta informação refere-se claramente a terceiros e recai, de novo, no caso em que, segundo o Pe. Fortea, é muito difícil, senão impossível, saber se o que foi dito é verdade ou não.

Portanto, meus caros, vemos que é possível - e típico - que o demônio engane quanto a isto. De outro lado, deveria nos ser suficiente o que a Igreja sempre ensinou a respeito dos autênticos carismas e que, como vimos de diversos modos, destoam muito daquilo que presenciamos nas mais diversas reuniões de caráter pentecostal.

Para terminar, lembremos o seguinte: A Igreja é infalível em fé e moral. Os sacerdotes, individualmente, por mais experientes e santos que sejam, não são infalíveis.

Se nestas considerações, eu cometi qualquer equívoco, isto se deveu à minha ignorância, não à má intenção. Finalizo reafirmando que é um assunto dificílimo e para o qual, embora eu possa tecer certos comentários, me vejo despreparado para uma palavra última.

Ad Iesum Per Mariam.

Fábio.
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