É sempre dito que, na vida de um católico praticante, o Sacramento da Penitência ocupa um lugar semi-central. O centro estrito é a Eucaristia; porém, nem sempre estamos aptos a recebê-La, isto é, nem sempre a nossa alma está no estado de Graça. Quando este se perde, a alma se torna obscura e entra num estado de inimizade com Deus. Por causa disso, ela estará impedida de receber Jesus no Sacramento da Eucaristia.
Isso é seríssimo, pois, sendo a Eucaristia o próprio Deus, o católico se verá impossibilitado de receber Aquele que é a razão pela qual ele existe. É óbvio que uma pessoa que não comunga nem por isso está totalmente impossibilitada de Deus. Afinal, nós temos contato com Ele de vários outros modos: oração, meditação, peregrinação, mortificação, estudo, boas obras, etc. Porém, o modo mais perfeito, que deveria ser fonte de todos os outros e para o qual eles ordenam é a Santíssima Eucaristia.
Quando estamos impedidos de comungar devemos retomar o estado de Graça e é pela Confissão que nós o retomamos. Acredito que isto esteja claro. Porém, quando adentramos no campo da prática, então nos deparamos com uma infinidade de questões e pormenores: com qual padre devemos nos confessar? Qualquer um vale? E vou me confessar de novo com o mesmo padre e contar os mesmos pecados? Não seria melhor adiar a confissão e me confessar com aquele outro que, pelo menos, não me conhece? Se for o mesmo padre, o que é que ele vai ficar pensando de mim? E se o padre é meu amigo, então me será ainda mais importante o que ele pensa de mim.. Ainda: se o padre é meu amigo ou camarada, então eu tendo a dar menos credibilidade ao que ele fala. Ah, só há um padre e é justamente aquele que não sabe aconselhar.. Não é melhor esperar pelo outro que mais me agrada e que me fala coisas mais inspiradoras? etc...
Os subtefúrgios que encontramos para postergar a confissão são infinitos, mas eles geralmente têm uma mesma raiz: a proteção do nosso ego. Em geral, nós buscamos que aquilo que deveria consistir numa exposição dolorosa - porque expressão do nosso arrependimento - dos nossos pecados se torne, paradoxalmente, um caminho confortável para a retomada da vida sacramental. Nós como que provocamos dor em Deus, mas queremos retomar a amizade com Ele sem passar por desconfortos ou, pelo menos, minorá-los ao máximo. Que tipo de arrependimento é este que o sujeito só pensa em se preservar?
Muitas vezes, a razão para adiar a confissão pode nos parecer muito justa.. Porém, é importante olhar a sério para nós mesmos e flagrar sem dó se, na verdade, não se trata de mais uma fuga do desconforto. Os santos dizem que o amor próprio é o grande inimigo da vida espiritual, consistindo esta num ataque estratégico e ininterrupto a este amor desordenado de nós mesmos. Se assim é, muito melhor seria confessarmo-nos com um padre que já nos conheça, pois, desse modo, estaríamos muito mais pesarosos e envergonhados, ou seja, o nosso amor próprio receberia um golpe ainda mais duro. E isto dificultaria um tanto mais a nossa recaída. Mas o grande determinante ainda nem é este; o ponto central é que, enquanto estivermos no estado de pecado mortal, estamos mortos e é urgente que retomemos a vida. Por isso, não convém adiar, de modo algum, a confissão. Precisamos enfrentar a situação e a dor, encarando-a como parte da Penitência. Se nós tivemos a coragem e a ousadia de ofender a Deus por nossos pecados, preferindo a nossa satisfação ao amor d'Ele, é preciso que agora façamos o esforço contrário: demonstremos que amamos a Deus muito acima da proteção da nossa própria imagem.
Depois, que importa se alguém não cultiva boa impressão de nós? Para quem vivemos? Para Deus ou para a simpatia dos outros? E este é um ponto importantíssimo: enquanto formos cativos da atenção e simpatia das pessoas, estaremos sempre limitados e tendentes à falsidade, à dissimulação, ao respeito humano. A energia interior da autenticidade e da criatividade, a liberdade mais profunda, em suma, não poderá se manifestar e estaremos fadados à mediocridade. Que Deus nos liberte desta divisão interior que é escravidão.
Por fim, o Olavo fala bastante do "senso das proporções". Pois bem.. Coloquemos as coisas numa balança: há alguma comparação entre a Graça Santificante - que receberemos pela confissão bem feita - e o pequeno desconforto que teremos em contar os nossos pecados e em ouvir, no máximo, algumas reprimendas muito justas? Por uma coisa tão pequena, ganharemos a semelhança com Deus, a amizade com Ele. Ora, estas realidades não têm preço.. Ainda que dedicássemos a vida inteira a boas obras e vivêssemos como mendigos penitentes, ainda assim não teríamos a mínima possibilidade de produzir um só lume da Graça Santificante. E, mesmo assim, ela nos está disponível por meio de tão pequeno esforço. Deus no-la dá por tão pouco. Não enganemos a nós mesmos. Não nos exponhamos à condenação eterna por caprichos disparatados. O quanto vale a nossa reputação? Não vale nada.. Vale menos que um sonho... E mesmo que valesse, o que adianta ganhar a simpatia de todos se viermos a perder a vida? Quando Deus nos oferece a Sua amizade, maluco é quem não a aceitar. Não nos fechemos à misericórdia.
Fábio.
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