Um dos maiores perigos confrontados por todo homem que leve a sério a experiência espiritual é o perigo do inspiracionismo. O problema, nesse caso, consiste em levar de tal modo a sério a própria experiência subjetiva que esta se torna mais importante que a verdade, mais importante que Deus. Uma vez encarada como objeto, a experiência espiritual se transforma em um ídolo; torna-se uma "coisa", uma "realidade" à qual servimos. Não fomos criados para servir a "coisa" alguma, fomos criados para servir somente a Deus, que não é, nem pode ser uma "coisa". Servir Àquele que não é um "objeto" é liberdade. Viver para a experiência espiritual é escravidão, e tal escravidão faz da vida contemplativa algo tão secular (ainda de modo mais sutil) quanto o ato de servir a qualquer outra "coisa", por mais vil que essa coisa possa ser: dinheiro, prazer, sucesso. Certamente, essa avidez pelo sucesso espiritual foi a causa da ruína de muitos que poderiam ser contemplativos. É por isso que, logo no começo desse ensaio, enfatizei o perigo da busca pela "felicidade" como objetivo em uma vida de contemplação. Isso é ainda mais perigoso, diante do fato de que a satisfação derivada das coisas espirituais é pura e perfeita; logo, muito mais difícil de se sujeitar a uma crítica objetiva.
É esse o perigo de dar importância exclusiva ao que nós mesmos experimentamos, e de crer que toda intuição nos vem de Deus. Quando um homem não sabe mais olhar criticamente os movimentos que surgem em seu coração, travestidos de inspiração, os piores erros podem ser tomados como verdades.
(...) O que realmente importa na experiência espiritual não é a interioridade desta, ou sua pureza natural, seu gozo, luz, exaltação ou o efeito transformador que possa ter: todas essas coisas são secundárias e acidentais. O que importa não é o que se sente, mas o que realmente acontece além do plano do sentido ou da experiência. Na contemplação autêntica, o que acontece é um contato da realidade mais interior da pessoa criada com a infinita realidade de Deus. A experiência que acompanha esse contato pode ser um sinal mais ou menos fiel do que aconteceu. Mas a experiência, a visão, a intuição são apenas um sinal e, além disso, passíveis de ser dissociadas de qualquer realidade, tornando-se meras figuras vazias. O inspiracionista é aquele que se apega ao sinal, à experiência sem consideração pela substância invisível de um contato que transcende toda experiência.
(...) O verdadeiro contemplativo é um amante da sobriedade e da obscuridade. Prefere tudo o que é calmo, humilde e despretensioso. Não aprecia excitações espirituais. Estas facilmente o desgastam. Sua inclinação é para aquilo que parece ser nada, que lhe diz pouco ou nada, aquilo que nada lhe promete. Somente quem seja capaz de permanecer em paz no vazio, sem projetos ou vaidades, sem discursos para justificar sua própria inutilidade aparente, pode estar a salvo do apelo fatal dos impulsos espirituais que o convidem a auto-afirmar-se e a "ser alguma coisa" aos olhos dos outros. O contemplativo é, de todos os homens religiosos, o que mais provavelmente perceberá que não é um santo e também o que se mostrará menos ansioso por parecer tal aos olhos dos outros. Ele está, de fato, liberto das aparências e se importa muto pouco com estas. Ao mesmo tempo, já que não tem nem a inclinação nem a necessidade de ser um rebelde, não precisa alardear seu desprezo pelas aparências. Simplesmente não lhes dá atenção.
Thomas Merton. A experiência interior;. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.154-158
Thomas Merton. A experiência interior;. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.154-158
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