O respeito é, obviamente, um valor. Respeitamos alguém quando reconhecemos que ele tem dignidade em si mesmo. A dignidade é algo que não se confunde de nenhum modo com a aparência. Assim, independente do modo que uma pessoa esteja mal vestida, da cor da sua pele, dos seus dotes intelectuais, etc, a pessoa humana tem uma dignidade que lhe é própria e que deve ser reconhecida. Tal reconhecimento é, precisamente, o ato do respeito e este determinará o nosso comportamento a respeito da pessoa.
No entanto, os vícios em geral se disfarçam de bem a fim de serem desejados e praticados. Assim, pessoas amasiadas tentam se convencer de que o amor lhes redime a falta. Homossexuais buscam, pela força da repetição, tornar verdadeira a tese de que o desejo muda a natureza.. Pais de família pensam que o domínio irrestrito sobre seus filhos é prova de amor, etc. Nesses e em outros casos, temos atos errados sendo praticados como se fossem traduções autênticas do amor, da autenticidade e da sinceridade, nos casos particulares.
Algo similar ocorre quando falamos de "respeito humano". Quem estiver familiarizado com a literatura dos santos, haverá de reconhecer que esta expressão é muitíssimo usada por eles e foi sempre alvo de duríssimas críticas. De fato, o respeito humano é um vício terrível e deve ser evitado de todo. É tanto mais terrível quanto mais se reveste de virtude. Ele é, na verdade, um arremedo do respeito autêntico, assim como o puro erotismo é um arremedo vulgar do amor.
Enquanto o respeito tem por objeto a dignidade intrínseca da pessoa, o respeito humano visa o conforto do seu ego. Enquanto o respeito visa preservar o próprio cerne da pessoa, evitando que este seja lesado, o respeito humano apenas quer preservar o bem-estar psicológico, mesmo quando este procede de atos objetivamente levianos. E a coisa é um tanto mais perversa: o ego do outro não é deixado intacto porque lhe querem bem, mas apenas porque não querem manchar a sua própria imagem nesse ego. O que temos aqui é a clássica hipocrisia que consiste basicamente numa divisão interior da alma enquanto insiste em manter uma distância entre aquilo que ela é e o que ela aparenta. Esta distância tende a ser amada em função da própria imagem da pessoa. É como quando alguém põe uma foto toda "photoshopiada" numa rede social de modo que quem lhe conhece só virtualmente não seria capaz de lhe identificar na vida real. A pessoa que tem respeito humano comete, na verdade, um ato de profundo desrespeito e desvalorização do outro já que o considera menos valioso do que a sua própria imagem. Num ato de auto-preservação egoísta, a pessoa contribui para o erro da outra, e não é raro que, ao mesmo tempo, cometa o pecado da lisonja.
Este erro se assenta num equívoco que é muitíssimo comum nos dias de hoje, dias de extrema confusão em que pouca gente enxerga alguma coisa além do próprio nariz: as pessoas tendem a confundir o domínio do objetivo com o do subjetivo, preferindo na maior parte das vezes este àquele. É assim quando defendemos, num nível vertiginoso de bobice, que cada pessoa siga a religião que lhe parecer correta ou confortável. É assim quando nos negamos a pregar a inequivocidade da fé com medo de ferir susceptibilidades. O sacrilégio moderno tornou-se o desconforto pessoal. Assim, os padres, por exemplo, quase nunca falam dos erros da vida matrimonial, como a contracepção, o controle de natalidade, etc. É assim quando quase ninguém prega sobre a pureza, talvez por medo de se acusarem a si mesmos. É mais fácil achar que a verdade só deve ir até onde ela for confortável. E é assim que ficam famosos os padres cantores, os pregadores alucinados que extasiam a assembléia com a promessa de mil e uma facilidades, ao mesmo tempo em que ninguém toca no assunto dos cristãos martirizados no oriente, pois isso seria.. hum... desconfortável.
Esse tipo de pecado era enfrentado, desde o início da Igreja até pouco tempo atrás, com uma consciência muito aguda. S. Paulo chega a escrever: "se eu quisesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo." É incrível como ele consegue ser tão claro e, mesmo assim, grande parte dos padres e bispos modernos fingem não entender algo tão básico. E dá-lhe hermenêutica, releitura, etc., que nada mais são do que eufemismos para a covardia e a capitulação.
Pois bem, chegamos a isso: o respeito humano é um tipo de egoísmo que se disfarça de virtude e, nessa fuga do que é, torna-se covardia, mentira e ofensa direta ao outro enquanto lhe confirma no erro ou, pelo menos, não o esclarece sobre o correto. No entanto, nos dias de hoje, o respeito humano é louvado como a máxima virtude. Vamos nos abraçar porque isso é o que importa.. Vamos dizer "verdades" confortáveis porque as desconfortáveis - o remédio amargo e que cura - estão fora de moda. Afinal, ninguém quer voltar àqueles tempos medievais e obscuros onde o sim era sim e o não era não, sendo todo o resto considerado como da parte do demônio.
E nesse costume, nesse simulacro de santidade, nessa lógica de sepulcros caiados, vamos gastando toda a vida, crentes que Deus participa de algum modo da nossa hipocrisia e de que, naquele dia, haverá de nos recompensar por termos sido covardemente respeitosos demais. Porém, o que acontece é o seguinte: se insistirmos nisso, teremos de tal modo acentuado essa divisão interior, privilegiando a parte externa ao invés da interna, que iremos de fato nos identificando somente àquela carecente de realidade. Aos poucos, ficaremos menos substanciosos, algo semelhante à roupa inexistente do rei nu e que ele jura que existe. Essa deformação monumental do nosso próprio caráter, levada a termo sob as bênçãos de pastores modernos, haverá de criar uma ilusão que anda e se move. Nos tornaremos o que não somos e forçosamente teremos de ouvir o derradeiro "não vos conheço".
Só então, talvez, nos daremos conta de que de nada vale ganhar o mundo e vir a perder-se a si mesmo. De que nada vale agradar ao mundo e faltar com a verdade. De que nada vale o respeito humano se todo o bem que nos venha daí será sempre um bem inexistente porque fundado numa mentira. Talvez então percebamos que toda a falsaria da nossa vida nos tornou totalmente impermeáveis àquele que é a própria Verdade. Só então, talvez, entenderemos que, no fundo, nós passamos a vida sem entender nada.
Bendito seja Deus pelas palavras que eu precisava escutar, apesar de não querê-las ouvir tanto assim.
ResponderExcluirSer Católico não é simples? Muitas vezes me deparo com essa pergunta perniciosa, mas que tem uma resposta tanto quanto simples de dizer: Sim, é simples. É fácil? Não, não é fácil. Se não podemos morrer para os outros ou para nós mesmos quem dirá para Deus.
Coloco apenas um comentário que diz respeito à vinculação do respeito humano à virtude do respeito. Corremos o risco de ao "eliminar" o joio eliminar também o trigo?