Pe. Antônio Vieira
Dir-me-eis o que a mim me dizem, e já o tenho experimentado que, se pregamos assim, os ouvintes zombam de nós e não gostam de ouvir. Oh, boa razão para um servo de Jesus Cristo! Embora zombem e não gostem, façamos nós o nosso ofício! A doutrina de que eles zombam, a doutrina que eles desestimam, essa é a que lhes devemos pregar e por isso mesmo, por ser a mais proveitosa e de que mais têm mister.
(...) Por que não comeu o diabo o trigo que caiu entre os espinhos, ou o trigo que caiu nas pedras, mas o trigo que caiu no caminho? Porque o trigo que caiu no caminho conculcatum est ab hominibus, pisaram-no os homens; e a doutrina que os homens pisam, a doutrina que os homens desprezam, essa é a que o diabo teme.
Esses outros conceitos, esses outros pensamentos, essas outras sutilezas que os homens estimam e prezam, essas não as teme o diabo nem se acautela delas, porque sabe que não são essas as pregações que lhe hão de tirar as almas das unhas. Mas aquela doutrina que (...) nos põe em caminho e em via da nossa salvação (que é a que os homens pisam e a que os homens desprezam), essa é a que o demônio receia e dela se acautela, essa é a que procura comer e tirar do mundo; e por isso mesmo essa é a que deviam pregar os pregadores e a que deviam buscar os ouvintes.
Mas se eles não o fizerem assim e zombarem de nós, zombemos nós tanto das suas zombarias como dos seus aplausos. Per infamiam et bonam famam, diz São Paulo: o pregador há de saber pregar com fama e sem fama. Mais diz o Apóstolo: há de pregar com fama e com infâmia. Pregar o pregador para ser afamado, isso é mundo; mas ser infamado e pregar o que convém, ainda que com descrédito da sua fama, isso é ser pregador de Jesus Cristo.
Gostarem ou não gostarem os ouvintes! Oh, que advertência tão digna! Que médico há que repare no gosto do enfermo quando trata de lhe dar saúde? Sarem e não gostem; salvem-se e amarguem-se, que para isso somos médicos das almas. Quais vos parece que são as pedras sobre as quais caiu parte do trigo do Evangelho? Explicando Cristo a parábola, diz que as pedras são aqueles que ouvem a pregação com gosto: Hi sunt qui cum gaudio suscipiunt verbum. Então será bom que os ouvintes gostem e ao cabo fiquem pedras?! Não gostem e abrandem-se; não gostem e quebrem-se; não gostem e frutifiquem. Este é o modo com que frutificou o trigo que caiu na boa terra: Et fructum afferunt in patientia, conclui Cristo.
De maneira que o frutificar não se junta com o gostar, mas com o padecer; frutifiquemos nós, e tenham eles paciência. A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena. Quando o ouvinte a cada palavra do pregador treme; quando cada palavra do pregador torce o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atônito, sem saber parte de si, entao é a preparação qual convém, então se pode esperar que faça fruto: Et fructum afferunt in patientia.
Enfim, para que os pregadores saibam como hão de pregar e os ouvintes a quem hão de ouvir, acabo com um exemplo do nosso Reino, e quase dos nossos tempos. Pregavam em Coimbra dois famosos pregadores, ambos bem conhecidos pelos seus escritos; não os nomeio porque os hei de desigualar. Altercou-se entre alguns doutores da Universidade qual dos dois fosse maior pregador; e como não há juízo sem inclinação, uns diziam este, outros, aquele. Mas um lente, que entre os mais tinha maior autoridade, concluiu desta maneira: "Entre dois sujeitos tão grandes, não me atrevo a interpor juízo; só direi uma diferença, que sempre experimento: quando ouço um, saio do sermão muito contente do pregador; quando ouço outro, saio muito descontente de mim". (...)
Semeadores do Evangelho, eis o que devemos pretender nos nossos sermões: não que os homens saiam contentes de nós, mas que saiam muito descontentes de si; não que lhes pareçam bem os nossos conceitos, mas que lhes pareçam mal os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos, as suas ambições e, enfim, todos os seus pecados. Contanto que se descontentem de si, descontentem-se embora de nós: Si hominibus placerem, Christus servus non essem, dizia o maior de todos os pregadores, São Paulo: "Se eu contentasse os homens, não seria serv de Cristo". Oh, contentemos a Deus, e acabemos de não fazer caso dos homens! Reparemos que nesta mesma Igreja há tribunas mais altas que as que vemos: Spetaculum facti sumus Deo, angelis et hominibus (feitos espetáculo para Deus, os anjos e os homens). Acima das tribunas dos reis, estão as tribunas dos anjos, está a tribuna e o tribunal de Deus, que nos ouve e nos há de julgar. Que contas há de um pregador prestar a Deus no dia do Juízo? O ouvinte dirá: Não mo disseram. Mas o pregador? Vae mihi, quia tacui: Ai de mim, que não disse o que convinha!" Não seja mais assim, por amor de Deus e de nós.
(...) Preguemos e armemo-nos todos contra os pecados, contra as soberbas, contra os ódios, contra as ambições, contra as invejas, contra as cobiças, contra as sensualidades. Veja o Céu que ainda tem na terra quem se põe da sua parte. Saiba o inferno que ainda há na terra quem lhe faça guerra com a Palavra de Deus, e saiba a mesma terra que ainda está em estado de reverdecer e dar muito fruto: Et fecit fructum centuplum.
Padre Antônio Vieira, Páginas Espirituais.
Pareçe que foi escrito hoje!
ResponderExcluirÉ.. Quem dera nossos bispos e padres incentivassem textos dessa natureza e fossem eles mesmos desses pregadores..
ResponderExcluirRezemos pelo clero..
Muito belo o texto. Fico triste por conhecer tão pouco o Pe. Antionio Vieira.
ResponderExcluirAbraços!