Um olhar enamorado fala por si...
Pronto. Estamos já no ano de 2010... E sabem o que isto, sobretudo, significa? Que, ignorando algum pequeno erro de cálculo, já são 2010 anos que Ele veio até nós. Tanto tempo...
Desde então, Nosso Senhor, embora tenha prometido estar sempre conosco (e, verdadeiramente Ele está, particularmente no mistério Eucarístico), também escondeu-se, pôs-se sob o véu, para que O víssemos na via obscura da Fé. Pelo mesmo motivo, Ele diz aos Apóstolos: "Convém a vós que eu vá", e ainda a Madalena: "Não me toques". Ainda por isto também repreende Tomé: "Felizes os que crêem sem ter visto".
No entanto, como dizia S. João da Cruz, o amante cujo amor seja já crescido somente pode saciar suas violentas ânsias de amor pela presença e pela figura do Amado. Se é verdade que tudo o que existe fala de Cristo, há um estágio de amor onde o amante não mais se contenta com as cartas ou sinais do Amado. Ele quer o Amado mesmo... Diz o doutor místico a Jesus: "Não queiras enviar-me mais mensageiro algum, pois não sabem dizer-me o que desejam... E todos quanto vagam, de Ti me vão mil graças relatando, e todos mais me chagam e deixa-me morrendo um 'não-sei-quê' que ficam balbuciando." Justamente por isto, os cristãos perfeitos mais não querem que O ver e, por isto, muitos desejam a morte como via de libertação e consumação do abraço com Deus. Isto é ensinado por Deus Pai a Santa Catarina; é também facilmente observável na vida dos amigos de Nosso Senhor. Sta Teresa D'avila exclava: "Ai que longa esta vida, que duros estes desterros; este cárcere, estes ferros onde a alma está metida (...) morro porque não morro". O mesmo S. João da Cruz, por sua vez, gritava a Nosso Senhor "Acaba já, se queres; rompe a tela deste doce amplexo (...) Pode o peixe sentir algum conforto fora d'água? Assim também a minha alma longe de Ti. Toma esta vida que não a quero, pois me privando de ver-Te, é mais morte que vida (...) Já que me roubaste o coração, porque não levas o roubo que roubaste? Que vejam-te meus olhos, pois deles és a luz e para Ti somente os quero ter".
Lembro-me ainda daquele monge cartuxo cego que, ao ser indagado se temia a morte, respondera que um cristão não a deve temer; ao contrário! Quando o filho percebe a proximidade do encontro com o Pai não deve se entristecer, mas antes alegrar-se.
Lá pelas profundas alturas (o paradoxo é proposital...) da vida mística, porém, o amor torna-se tão intenso que, para a usar a expressão de Elias, devora o coração. Daí decorre uma santa impaciência, uma profunda ânsia de ver o Amado que, se não satisfeita ao menos em parte, levaria à literal morte do amante. A alma não suporta a ausência dAquele a quem ama.... Neste estágio, O Esposo inicia toda uma série de cortejos à alma. Aparece satisfazendo-a por um breve momento mas, num relance, novamente se esconde. É em virtude desta "brincadeira de amor" que a Nosso Senhor foi atribuída a comparação com o cervo que, pela sua agilidade, aparece e some entre as árvores da floresta.
Mas falando, enfim, para pobrezinhos como eu; crianças ainda na fé... o propósito deste artigo não é fazer notar o desejo de morte dos perfeitos nem as experiências espirituais dos que ultrapassaram as fases de iniciantes e proficientes, alcançando a via mística. O que quero fazer ver é quão pouco amamos a Deus. Parece, à vezes, que não há sequer saudades... Celebramos a vinda de mais um ano e, ao invés de isto nos remeter a Ele, ao contrário, faz-nos às vezes esquecer até do Seu recente aniversário... E isto é muito bem representado pela frase de uma música que ouvi num especial do Chaves: "o natal ficou pra trás..."
Há quem trocasse a eternidade no Céu pela eternidade na terra... E como isto é lamentável... A comemoração do ano 2010 é a celebração de 2010 anos desde que Ele nos veio e, ao mesmo tempo, num certo sentido, a lamentação dos muitos anos da sua "ausência". Lembro agora o que disseram alguns discípulos de S. Francisco de Assis quando, pela última vez, o viram lhes deixar: "e ele se afastava e, consigo, levava os nossos corações".
E ainda os exilados de Sião que, com saudades de sua Pátria, penduravam seus instrumentos nas árvores...
Enfim... Estes assuntos do amor são muito profundos e pouco é o meu trato e nenhuma a minha experiência pra sobre eles discorrer. O que escrevo neste sentido vem, sobretudo, dos livros... E não deixo de envergonhar-me por amar tão pouco a Nosso Senhor... Tempos atrás, terminando um romance sobre a vida de Sto Tomás, o escritor punha na boca de um médico que o analisara algo assim: "há almas santas cujo amor por Deus pode ser mais terrível que as mais altas febres... É o que acontece com Tomás". Não sei se isto procede no preciso sentido histórico com relação ao doutor angélico (a biografia que li era, de fato, um romance...), mas sei que acontece com os santos... Depois disto, numa aula de filosofia, um professor, comentando este fato, dissera que Tomás morrera de enfarte. Em todo caso, foi o coração de Tomás que cedeu ao violento amor que devotara ao Esposo...
E eu quisera muito amar a Deus assim...
O amor é algo muito sério e, por isto, brinca de amar é algo terrivel...
Por fim, posso ao menos confessar que partilho da saudade de Cristo. Queria que Ele viesse logo...
Mas.. faça-se a Sua vontade. Deixo-vos, então, duas bonitas músicas...
Talvez elas expressem melhor tudo isso...
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