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Evolução e universalidade da música sacra - I


Cardeal Joseph Ratzinger

Desde muito cedo, a Cristandade foi confrontada com a questão de até que ponto pode ir a inculturação no âmbito da musica. As comunidades cristãs provieram das sinagogas e adoptaram, através do saltério interpretado de forma cristológica, também o modo de cantar. Os hinos e cânticos cristãos nasceram muito cedo; primeiro o Benedictus e o Magnificat, baseado s ainda inteiramente no Antigo testamento, depois textos inteiramente cristológicos, dos quais se destacam o Prólogo de João (1,1-18), o Hino de Cristo da Carta aos Filipenses (2,6-11) e o Cântico de Cristo de 1Tim 3.16. Uma informação interessante sobre a primeira evolução da Liturgia cristã oferece-nos Paulo na primeira Carta aos Coríntios: "Quando vos reunis, tenha cada um de vós um cântico, um ensinamento, uma revelação, um discurso em línguas, uma interpretação; que tudo isto se faça de modo a edificar" (14,26). Consta dos manuscritos do escritor romano Plínio, que informava o Imperador sobre o culto religioso dos Cristãos, que, no início do século II, um dos elementos essenciais da Liturgia cristã era o canto glorificador de Cristo na sua divindade. Podemos imaginar que os textos crisãos novos não só ampliaram o canto de então, como também deram origem ao nascimento de melodias novas.

Parece que a evolução da Fé cristã se terá realizado precisamente nos poemas dos cânticos, que naquela altura nasceram como "dons pneumáticos" nas Igrejas. Continham esperança, mas também perigo. A seperação da Igreja da sua origem semítica e a transição para o mundo grego tinham como consequência natural uma união com a mística grega de Logos, a sua poesia e a sua música, que ameaçavam dissolver o Cristianismo numa mística universal. O âmbito dos hinos e das suas músicas era precisamente uma porta aberta à Gnosis, àquela tentação mortífera que começou a decompor o Cristianismo no seu interior. Assim se compreende que, na luta pela identificação da Fé e pela sua radicalização na figura histórica de jesus Cristo, as autoridades da Igreja enham recorrido a uma decisão radical. O cânone 59 do Concílio de Laodicéia proíbe tanto o uso de versos de Salmos privados como o de escritos não canônicos nas missas; o cânone 15 restringe o canto de Salms ao coro de cantores de Salmos, enquanto "outros não devem cantar na igreja". Consequentemente, a lírica pós-bíblica dos hinos quase se perdera por completo; voltou-se rigorosamente ao modo de canto puramenteo vocal, adaptado da Sinagoga. As consequentes perdas culturais podem ser lamentáveis, mas eram necessárias para beneficiar um valor superior: o regresso à aparente pobreza cultural pôs a salvo a identidad eda Fé bíclica; foi precisamente a rejeição da falsa inculturação que abriu a extensão cultural do Cristianismo ao futuro.

No percurso histórico, a evolução da música sacra revela grandes paralelos com a questão das imagens. O Oriente - pelo menos na zona bizantina - manteve a música meramente vocal, a qual foi alargada à polifonia na zona eslava, provavelmente sob influência do Ocidente; os seus coros masculinos comovem o coração, tanto pela sua dignidade sacra como pelo suave ardor, fazendo da Eucaristia uma celebração da Fé. No Ocidente, a transmissão do "salmodiar" conduziu, no Coro Gregoriano, a uma nova evolução de tal grandeza e pureza, que passou a constituir o padrão permanente na música sacra eucarística. Na Idade Média tardia, desenvolveu-se a polifonia e os instrumentos tiveram novamente entrada na missa - certamente com razão, pois a igreja, como vimos, não é apenas uma continuação da Sinagoga como também integra a realidade de Pascha Cristo, representada no templo. Dois fatores novos começam a influenciar a música sacra: a liberdade artística exige cada vez mais direitos na missa; as músicas sacra e profana cruzam-se agora reciprocamente, o que se torna evidente especialmente nas chamadas missas teatrais, em que o texto da missa é sujeito a um tema ou a uma melodia relacionados com música profana, de modo a que o auditório até chega a ouvir canções em voga.

É evidente que a criatividade artística e a integração de motivos profanos envolve perigos: a música deixa de ter a oração como base do seu desenvolvimento e a exigência da autonomia artística guia-a para fora da Liturgia, procurando a finalidade nela própria, ou abrindo as portas a modos totalmente diferentes de viver e sentir; ela afasta a Liturgia procurando a finalidade nela própria, ou abrindo as portas a modos totalmente diferentes de viver e sentir; ela afasta a Liturgia da sua verdadeira natureza.

Neste ponto da disputa cultural que se criou interviera o Concílio de Trento, que realçou o carácter da palavra como a norma da música litúrgica e restringiu essencialmente o uso de instrumentos, evidenciando assim a diferença entre música sacra e profana. No início deste século, Pio X fez mais uma intervenção desse gênero. Na época do Barroco deu-se, mais uma vez (de modos diferentes nas zonas católica e protestante), uma união notável entre as músicas sacra e profana; nesse apogeu da histórica cultural, todo o esplendor da música foi posto ao serviço da glorificação de Deus. Ouvindo Bach ou Mozart na igreja - ambos nos fazem sentir de um modo magnífico o significado de gloria Dei - glória de Deus: nas suas músticas encontra-se o infinito mistério da beleza, deixando-nos, mais do que em muitas homilias, experimentar a presença de Deus de forma mais viva e genuína. Todavia, aqui já se anunciam perigos, embora o subjectyivo e a sua paixão ainda disponham de docilidade, em virtude da harmonia musical do Cosmos, na qual se reflecte a ordem da própria Criação divina. Mas as ameaças da virtuosidade e da vaidade do talento já se manifestam; elas já não expõem as suas faculdades ao serviço do todo, querendo elas próprias avançar para o primeiro plano.

Em muitos locais, no século XIX, que foi o século da emancipação da subjectividade, isso levou a uma sufocação da música sacra pela ópera, deixando emergir de novo os perigos que, na altura, eram a causa da intervenção do Concílio de Trento. Analogamente, Pio X procurava agora afastar da Liturgia o gênero operático, declarando o Coro Gregoriano e a Grande Polifonia do tempo da inovação católica (com Palestrina como figura de destaque) como padrões da música litúrgica, a qual tinha de ser nitidamente distinta de outras músicas religiosas, tal com as artes plásticas na Liturgia também devem obedecer a padrões diferentes de outras artes religiosas. A arte litúrgica possui uma responsabilidade própria; ela é, precisamente por isso e sempre de novo, origem de cultura cuja fonte é o culto.

Hoje, após a revolução cultural das últimas décadas, encontramo-nos perante um desafio certamente não menor do que os três períodos de crise que acabamos de delinear no nosso esboço histórico: a tentação gnóstica, a crise do fimda Idade Média e do início da Era Moderna, a crise do início do nsso século, que foi o prelúdio das questões ainda mais radicais do presente. Nos últimos tempos, houve três desenvolvimentos que designaram a problemática que a Igreja terá de enfrentar na questão da música litúrgica. Em primeiro lugar, a universalização cultural, que a Igreja não pode deixar de realizar a fim de exceder definitivamente os limites do espírito europeu, é a questão de como deve ser feita a inculturação no âmbito da música sacra sem prejudicar a identificação do Cristianismo e, por outro lado, deixá-lo desenvolver a sua universalidade.

Dentro da música, há dois desenvolvimentos que inicialmente tiveram origem no Ocidente, mas que, na cultura mundial em geral já dizem respeito a todos. A chamada música erudita ("clássica"), que se deslocou - fora as excepções - para um guedo de elite, onde apenas especialistas podem ingressar e mesmo alguns deles com sentimentos estranhos. A música das multidões separou-se da música acima referida, seguindo um percurso totalmente diferente. De um lado existe a música pop, que certamente não tem nada a ver com "povo" (Pop) no sentido tradicional e, sendo gerada industrialmente, ela atribui-se ao fenômeno da multidão; no fundo, deve ser designada como um culto do banal.

Comparativamente, "Rock" é a expressão de sentidos elementares que, nos festivais de rock assumiram o caráter de culto; porém, esse caráter é oposto ao culto cristão, ele liberta o Homem dele próprio, devido à vivência da multidão e a vibrações de ritmo, barulho e efeitos de luzes, deiando-o no êxtase de rompimento dos seus limites, submergindo-o quase nas forças primitivas do Universo. A música do "embevecimento sóbrio" do Espírito Santo não tem hipótese, onde o ego e o espírito são aprisionamento e correntes, surgindo a fuga dessa prisões como libertação que deve ser saboreada, nem que seja só por uns momentos.

O que fazer? As receitas teóricas ajudam aqui porventura ainda menos do que na arte plástica. Deve haver uma inovação do interior. Todavia, depois de ter considerado os vários padrões dos fundamentos interiores da música sacra, gostaria de fazer um resumo conclusivo.

Continua...

Joseph Ratzinger, Introdução ao Espírito da Liturgia.
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