Pe. Reginald Garrigou Lagrange
A urgência premente de nos lembrarmos do único necessário se faz sentir particularmente neste tempo de mal-estar e de confusão geral em que tantos homens, e até povos, perdendo de vista nosso verdadeiro fim último, colocam-no nos bens terrenos, esquecendo o quanto estes diferem dos bens espirituais e eternos.
No entanto, é claro, como disse Santo Agostinho: "que estes mesmos bens materiais, ao contrário dos bens espirituais, não podem ao mesmo tempo pertencer integralmente a muitos".
A mesma casa, o mesmo terreno, não podem simultaneamente pertencer de modo integral a muitos homens, nem o mesmo território a muitos povos. Daí vem o terrível conflito de interesses, quando se põe febrilmente o próprio fim último nestes bens inferiores.
Ao contrário, Santo Agostinho se compraz em insistir que os mesmos bens espirituais podem pertencer simultânea e integralmente a todos e a cada um, sem que ninguém perturbe a paz a outrem. Até, por sinal, nós os possuiremos tanto melhor quanto mais numerosos formos em gozar deles conjuntamente. Podemos, pois, deste modo, gozar todos simultaneamente, sem de modo algum nos prejudicarmos uns aos outros, a mesma verdade, a mesma virtude, o mesmo Deus. Estes bens espirituais são bastante riccos e universais para pertencerem ao mesmo tempo a todos e para satisfazerem a cada um de nós. Mais ainda, não possuímos plenamente uma verdade, se não a ensinarmos a outros, se não os fizermos participar de nossa contemplação. Não amamos realmente uma virtude se não a quisermos ver amada pelos outros. Não amamos sinceramente a Deus se não o quisermos fazer amado. Enquanto se perde o dinheiro que se dá ou que se gasta, não se perde a Deus dando-os aos outros, antes ficamos possuindo-o melhor. Nós o perderíamos se, pelo contrário, por ressentimento permitíssemos que sequer uma alma ficasse sem Ele; se quiséssemos excluir uma alma do nosso amor, mesmo aquela que nos perseguisse e caluniasse.
Há nesta verdade simplíssima e altíssima, tão querida de Santo Agostinho, uma grande luz. Se os bens materiais dividem os homens, principalmente quando são procurados por si mesmos, os bens espirituais unem os homens com uma profundidade que só cresce na medida em que amamos tais bens.
Pe. Réginald Garrigou Lagrange, As Três Vias e as Três Conversões.
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