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A universalidade como critério da verdadeira música sacra



Hoje em dia as nossas paróquias estão cheias de todo tipo de estilo musical, desde as músicas mais adocicadas até as mais frenéticas. Interessante notar que a explicação para um tal sincretismo de formas musicais busca se fundamentar numa posição ortodoxa: a obediência a um texto do Magistério. Sob o nome de "inculturação", os pouco profundos na reflexão ou, Deus nos livre, as pessoas de má fé, passam a distorcer aquilo que é um tesouro: a tradição musical católica. Abandonam o gregoriano, as polifonias se escassam, o latim é expulso como se fosse um intruso... e tudo em nome da dita "inculturação".

Esta conversa do "tudo pode" como possível interpretação da proposta da Igreja com referência a este texto conciliar nos aparece, aqui, facilmente como um sofisma.. mas a nossa sociedade atual é muito sensível ao sofisma; fraca de reflexão, basta que algo pareça verdade para ser considerado como tal; basta que algo brilhe para que seja tido como ouro. Ficou muito fácil enganar...

O que esquecem, porém, ou melhor, o que ignoram (este termo é melhor porque possui dupla conotação: a de quem realmente esquece, e a de quem volutariamente despreza) é que a mesma Igreja, no mesmo documento, reforça que a verdadeira música litúrgica deve ter como critério a universalidade; e o que será isso? Antes de tratarmos deste assunto, lembremos ainda que se fala em "beleza e bondade das formas". Ora, a beleza é algo mais óbvio, pois a música é uma forma de arte e, como tal, tem por campo a manifestação do belo. Mas... bondade? Então, quer dizer que uma forma musical, isto é, a estrutura de uma música, pode ser boa ou má? Pode sim. Vejamos...

Falando primeiramente sobre a universalidade, por este termo entende-se aquilo que possa se dar em qualquer lugar e a qualquer tempo. Algo que se destinasse apenas a um lugar e tempo determinados estaria no campo do meramente cultural e poderia reduzir-se a um simplório regionalismo. Infelizmente, pela fraqueza da catequese que é oferecida hoje em dia, é exatamente assim que muitos católicos consideram a tradição musical da Igreja, bem como tantas outras riquezas que foram postas de lado: são coisas provenientes de uma cultura que não pode pretender impor-se a todas as outras. Segundo este ponto de vista, parece realmente arbitrário e insuportável aos olhos modernos aquilo que foi dito por S. Pio X e reafirmado por Pio XII, por Paulo VI e por João Paulo II como regra geral para a verdadeira música sacra:

«Uma composição para a Igreja é tanto sacra e litúrgica quanto mais se aproximar, no andamento, na inspiração e no sabor, da melodia gregoriana, e tanto menos é digna do templo, quanto mais se reconhece disforme daquele modelo supremo».

Se se reconhece o canto gregoriano como uma manifestação simplesmente cultural, então, realmente, a Igreja iria contra a universalidade ao querer impô-la às demais culturas e ao pretender perpetuá-la como "modelo supremo". O problema é que muitos param neste sofisma e se contentam com ele, ao invés de, em coerência com a dúvida que lhes impele, buscar uma resposta da mesma Igreja para esta questão.

Já foi dito que toda arte é a "transcrição simbólica" de uma filosofia, isto é, de uma forma de pensar. A filosofia, naturalmente, interessa-se pela verdade. Aqui, portanto, percebemos uma relação íntima entre o belo, objeto da arte, e a verdade, objeto da filosofia. Ora, se a verdade é objetiva, e a Igreja assim concebe, então o belo também possui um critério objetivo para ser belo. Dias atrás, justamente na véspera em que ia dar formação aos músicos e andava meio receoso, já bem de noite, passava num canal da TV um documentário ou programa científico (algo assim) onde se argumentava justamente isto: a beleza tem um fator objetivo. Consideramos belo algo que seja harmonioso nas suas formas e nas suas proporções. Não à toa, na Grécia Antiga, era costume ensinar-se música juntamente com matemática.

Se assim é, como, então, se explica a divergência tão comum dos gostos? Assim como devemos ser educados para a verdade, da mesma forma devemos ser educados para a apreciação do verdadeiramente belo. É preciso, porém, esclarecer que, naturalmente, já nos inclinamos, tanto para a verdade, quanto para a beleza; No entanto, devemos orientar bem esta inclinação a fim de que saibamos, de fato, apreciar o belo e rejeitar o não-belo, sem nos deixarmos enganar. Hoje em dia, muitos tomam por belo unicamente aquilo que atrai os sentidos, que satisfaz a sensualidade; da mesma forma, muitos tomam por verdadeiro simplesmente aquilo que, numa primeira olhadela, parece sê-lo.

A filosofia católica, tendo seu expoente no doutor comum, Sto Tomás de Aquino, ensina Deus criou todas as coisas com ordem. Ora, a ordem requer uma certa desigualdade nos entes, o que permite que sejam organizados hierarquicamente de modo que um se suceda ao outro, o que imprime ao todo a sua harmonia. Dissemos que é pela harmonia que algo é belo. Então é belo o que é ordenado. Para que haja ordem, conforme dissemos, forçoso é que algo menos excelente se submeta a algo mais excelente, numa gradação que se estabelece a partir de uma reta disposição dos elementos, segundo o seu grau de excelência. Sendo Deus a causa e o fim, o alfa e o ômega, tudo deve ordenar-se para Ele. Também a música, proveniente desta filosofia, deve buscar ordenar-se ao seu fim que é, primeiramente, a glória de Deus, e depois, a santificação das almas. Deve, portanto, ser sóbria e manifestar esta ordem da criação, imitando, na sua estrutura, a ordem que Deus imprimiu em todas as coisas. É assim que a música se torna santa, não apenas na sua letra, mas também na sua forma e, sendo santa, é também bela e boa. Daí, a "bondade e beleza das formas".

Uma música outra que, ao invés, desordene, isto é, inverta a ordem, pondo algo menos excelente acima de algo mais excelente, é má, pois se opõe a Deus. Por este motivo, bem poderíamos chamá-la diabólica, pois instaura uma cisão, uma divisão, entre a criatura e Deus, rompendo a "ponte" harmônica que lhe permitia a ascensão. É a revolta de Adão que usurpa o direito divino e põe-se como fim, ferindo, desta forma, a sua própria natureza e impedindo a sua realização natural e espiritual.

Ora, o canto gregoriano é como que a sonorização desta "filosofia da ordem" e da verdade. Da verdade porque, para estabelecer uma reta hierarquia, é necessário considerar a verdade objetiva de cada coisa. Neste sentido, considerando que a verdade nunca é histórica e cultural, mas sempre universal, tal qual 2+2= 4 em qualquer cultura, assim também aquilo que é objetivamente bom e belo permanece o sendo, pois estes são atributos igualmente universais e imutáveis já que provêm de Deus e culminam nEle mesmo, que é imutável. Assim, o canto gregoriano pode, com todo direito, elevar-se ao nível da universalidade, pois corresponde ao que o homem é em todo tempo e lugar, e está de tal forma disposto que, além de imitar a Deus na sua ordem e, por isto, lhe render glória, é também expressão de uma alma igualmente ordenada e pode vir a provocar esta mesma ordem nas almas que dela ainda não participam.

Como, pois, compreender o sentido da inculturação? Agora já nos é possível entender que ela não pode referir-se unicamente ao regionalismo de que falamos anteriormente e que é totalmente incoerente com a proposta universal da Igreja. Aceitar que a música poderia ser de qualquer forma, segundo o lugar, seria negar-lhe uma matriz, um objetivo definido e, talvez, até reputá-la por dispensável. Considero que o termo "inculturação" não é feliz pois abre margem a tantas interpretações errôneas. Além disto, no próprio texto do Concílio, tal determinação não vem acompanhada dos esclarecimentos de todas a problemática que este termo evoca. Mas creio, neste amplo conjunto, estarmos já em condições de compreender um pouco melhor estas coisas.

Por inculturação deve-se entender o esforço por incorporar na tradição musical da Igreja os elementos de outras culturas que não destoem da natureza da música sacra, que não atentem contra esta e que, ao contrário, talvez a possam enfatizar. Portanto, devem também favorecer uma reta compreensão do homem, do mundo, devem ter a bondade e beleza das formas, e devem ter a universalidade como um de seus atributos. Em boa linguagem tomista, poderíamos dizer que as mudanças com relação à música sacra devem limitar-se a um nível acidental, mantendo-lhe a substância. Estes requisitos, naturalmente, deveriam nos aproximar do "andamento, inspiração e sabor" do canto gregoriano.

Porém, o grande afastamento desta rica tradição católica, a inclusão de ritmos totalmente incovenientes no Santo Sacrifício do Senhor, junto com letras sentimentalóides e, às vezes, heréticas; tudo isto denuncia fortemente que a proposta da Igreja foi muito mal interpretada. Não obstante, há muitos que querem que fique assim mesmo, pois assim é mais cômodo. A nós, porém, católicos apostólicos romanos, fiéis ao Papa e à Tradição da Santa Igreja, é exigida outra posição. Lutemos pela retidão da liturgia, pela retidão dos costumes, pela pureza, bondade, beleza e verdade da música sacra, tesouro de inestimável valor, componente importantíssimo da celebração do Santo Sacrifício do Senhor.

Fábio.


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Um comentário:

  1. Fábio, o texto está excelentemente extruturado. Falta apenas as referencias.

    Abraços
    Claudemir Leandor

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