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Sobre o silêncio na oração


Há quem pense que fazer silêncio enquanto se reza se resume apenas a ficar calado exteriormente. Antigamente, era comum que ficássemos na capela com o Santíssimo e havia, naturalmente, os momentos de silêncio. Enquanto, porém, cessavam os ruídos vocais (pelo menos os articulados), se iniciava uma orquestra de outros sons, provenientes das contínuas mudanças de posição, dos pigarros, dos suspiros, dos zippers das bíblias, etc... Obviamente que não havia silêncio. E a oração ficava sempre no superficial.

Outra forma de se entender o silêncio é o que chamam de "uma abertura ao ouvir". Se isto é importante porque põe a alma numa posição receptiva com relação a Deus, tem também seu fator desinteressante: muitos ficam esperando mesmo ouvir literalmente alguma coisa. Ora, isso é um prato cheio para a imaginação. E quando "ouvem" ou "visualizam" alguma coisa, isto é, quando imaginam, se adiantam logo a pretender que seja Deus falando... E aí se praticam as maiores ingenuidades e non senses e Deus é quem leva a culpa. rs...

Não. O silêncio, o verdadeiro silêncio tem que ser algo mais sincero, mais puro e mais profundo. Claro que há, poderíamos dizer, vários níveis desta quietação, e pretendo tratar brevemente a este respeito.

Primeiramente, se requer uma disciplina mínima pra aprender a se ficar quieto. Há pessoas que não sabem rezar sem se coçar ou balançar as pernas. Tem quem nem se force a ficar de olhos fechados. Se se obstinam nestas criancices, nunca saberão o que é oração.

Esta questão do ficar quieto é muito importante, e também dá disciplina à alma. De início, já seria interessante reservar pelo menos um tempo pra treinar só isso aí. Os padres do deserto, logo quando iniciavam a vida monástica, eram recomendados a permanecer na cela, só isso... O próprio fato de se aquietarem lá faria com que avançassem na vida espiritual. Pronto! Essa mínima disciplina se requer...

Depois, o fato de se pôr na presença de Deus é o que define, exatamente, a oração. Sta Teresa D'Avila dizia que, na oração, não importa falar muita coisa, mas amar muito. Ela mesma critica o costume de alguns, ainda tão comum nos dias atuais, de ficar falando coisas continuamente de uma forma mecânica, sem pôr o coração naquilo que se diz. A oração deve ser um diálogo ou interrelação entre a alma amante e o Senhor amado. Este encontrar-se na presença do Outro, que é Deus, é o que caracteriza a oração. Mas tratemos ainda do silêncio.

Calar a boca é já um começo, mas geralmente a boca reproduz, por meio dos sons, aquilo que se concebeu no espírito, isto é, a boca traduz em palavras as idéias da alma. É conveniente, portanto, não apenas calar a boca, mas também aquietar os pensamentos e os sentimentos. O que pretendo dizer? Que, depois de ter estabelecido o silêncio no exterior, começamos a aquietar também o interior. É aí que passamos a observar o silêncio propriamente dito.

S. João da Cruz diria para pôr os sentidos na noite, isto é, esvaziá-los de sua operação comum. Por isto, fechamos os olhos... Mas e os demais sentidos? Entendemos, aí, como não é conveniente ficar procurando sons espirituais (audição), nem fragrâncias (olfato), nem visualizações (como que uma visão interior), nem arrepios (tato), nem experimentar suaves sabores (paladar). Esta busca por experiências indica atividade do espírito e, portanto, impede a quietude.

Além dos cinco sentidos comuns, S. João da Cruz traz mais dois, aos quais chama sentidos internos: a fantasia e a imaginação. Tão logo a alma pretende pôr-se em oração silenciosa, estas duas iniciam o seu desfile de estranhas figuras. Haveria muito o que dizer sobre a atitude a tomar diante desta aparente dificuldade, mas é suficiente dizer que a paciência silenciosa é a melhor atitude; uma como que indiferença... Isto acontece, segundo o doutor místico, porque os sentidos não encontram um objeto definido para se fixar, sendo Deus totalmente transcendente a qualquer objeto sensível que se possa conceber. Porém, com um certo tempo, também estas figuras se aquietam...

Há quem diga que, nesta atitude, a alma não faz nada, pelo que não pode se dar nenhum mérito. S. João da Cruz responde à objeção afirmando que não faz pouco quem se aquieta a si mesmo, pois aquietar-se é, verdadeiramente, dispor-se, abrir-se ao Outro que é Deus.

Além do silêncio dos pensamentos, imagens, etc..., requer-se também o silêncio das vontades. É comum que, quando se ponha em oração, surja a impaciência e se façam notar outras sensações, como a fome, o incômodo da posição, entre outras. Tudo isto se resume nisso: a vontade de estar a fazer qualquer outra coisa. Isto é um produto da sensibilidade que deseja sempre o mais agradável. Aquietar-se, também neste sentido, significa esvaziar-se desta busca de bem-estar, de modo que o que é saboroso não seja buscado somente porque é saboroso, e o que é incômodo não seja evitado por ser incômodo. Isto parece se assemelhar à Hesychia dos monges orientais, que busca, entre outras coisas, a apathia ou perfeita indiferença as estes incômodos externos, donde se afirmava ser possível um estado de imperturbabilidade.

O próprio doutor da noite, resume bem isto com a sua célebre frase:
"Para vir a saborear tudo, não queiras saborear coisa alguma"... O que S. João da Cruz pede aqui é para aquietar a vontade.

Mas não voemos tão alto quanto os monges orientais, por ora. Observemos, no entanto, como o silêncio, bem compreendido, difere do que se costuma entender...E isto é importantíssimo. São Bento, a quem celebramos dias atrás, dizia ser o silêncio o mestre dos mestres, pois ensina sem palavras. Se a alma buscar a Deus com sinceridade, Ele mesmo haverá de ensinar-lhe estas coisas, desde que, naquilo que depende dela, a alma busque aprender da Igreja.

Retomarei alguns pontos noutro post...

Fábio.
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