Inicio aqui uma série de
artigos sobre a Inquisição, visto ser este um tema polêmico, distorcido sem fim
e instrumentalizado como meio de difamação da Santa Igreja. Como é coisa muito
falada, a grande maioria das pessoas – inclusive dos católicos - , por causa de
uma ingênua credulidade, isentam-se de querer aprofundar-se no que dizem as
verdadeiras fontes históricas. Muitos há, ainda, que resistem a uma sincera
conversão por coisas do tipo. Retiremos, portanto, a pedra de impedimento.
Os artigos a seguir são de
autoria do Pe. Cauly. Alguns objetarão que se trata da “versão” de um padre. No
entanto, ainda assim eu desafio os questionadores à leitura, pois este padre recorre
às fontes e demonstra, no confronto das versões históricas, uma sinceridade
cristalina, não temendo admitir certos pontos dignos de censura. Ao leitor,
pedimos o esforço de uma leitura sóbria, isenta de paixões. Depois, ele deverá
sentir-se à vontade para fazer suas averiguações desde que, advertimos, se
busquem fontes sinceras e autores sérios, não necessariamente católicos, claro.
Os itálicos são do original. Os negritos, meus. Boa leitura.
***
A Inquisição – Parte I
Como prova da intolerância da
Igreja, invoca-se muitas vezes a Inquisição. Entre todas as acusações amontoadas
pelos autores protestantes, pelo filósofos ímpios do século XVIII, e pelos
inimigos do catolicismo do século XIX, não há talvez nenhuma que fosse tão
propagada e arraigada nos espíritos como a de uma pretensa Inquisição, monumento histórico de violências e de crueldades
praticadas pela Igreja católica para violentar as consciências.
A dar fé nos romancistas e em
certos historiadores em que o espírito de partido abafa a sinceridade, a Igreja
se teria encarregado de fornecer vítimas aos carrascos; para elas, teria
inventado indizíveis torturas; teria assistido aos autos de fé, e acrescentado
às últimas dores dos supliciados a ironia de seus salmos.
Que se deve pensar dessas
graves acusações dirigidas contra a Igreja? São suficientemente provadas? São realmente
da responsabilidade da Igreja Católica? Importa desenredar o erro da verdade,
e, para fazê-lo com ordem, diremos:
1º o que é a Inquisição Eclesiástica, e qual é o seu
papel;
2º falaremos da Inquisição na França;
3º daremos a conhecer a Inquisição Espanhola;
4º examinaremos o valor das
censuras que se dirigem contra esta, dizendo qual é a parte que cabe à Igreja.
Inquisição Eclesiástica
I.
Origem e instituição deste tribunal
II.
Seu fim e sua história.
I. Chama-se
Inquisição romana ou eclesiástica um
tribunal estabelecido em Roma para conhecer especialmente do crime de heresia e
pronunciar sobre a culpabilidade dos acusados. Este tribunal, chamado do Santo Ofício, remonta ao Concílio de
Verona (1184). No ano de 1204, o papa Honório III aprovou-o e dele se serviu no
fim de reprimir os Albigenses e Valdenses. O concílio de Latrão, em 1215, e o
de Tolosa, em 1229, fizeram da Inquisição um tribunal permanente, mas que só
foi definitivamente constituído em 1233, pelo papa Gregório IX na sua bula Ille humani generis. Em 1255, na
conferência de Melun, o rei de França, são Luiz, deu-lhe uma sanção temporal.
A Inquisição primitiva,
confiada à ordem de São Domingos, devia efetuar a obra da conversão dos hereges
pela oração, pela paciência e pela
instrução. Mas estes meios, tornando-se muitas vezes improfícuos pela má fé
e pelo espírito de revolta dos sectários, o poder civil e o poder eclesiástico
igualmente ameaçados, uniram-se contra o inimigo comum; o poder eclesiástico
prestava seu concurso para verificar o crime, e o poder civil encarregava-se
dos culpados e aplicava o castigo.
A Inquisição, sucessivamente
estabelecida no Languedoc, na Provença, na Lombardia, em 1224; em seguida na
Catalunha, no Aragão, na Toscana, o foi no ano de 1289, em Veneza, onde veio a
ser uma instituição política desde 1254.
Com a mesma qualificação,
aparece na Espanha em 1481, pela iniciativa de Izabel e de Fernando, e em 1506
em Portugal, às instâncias reiteradas de D. João III.
II. O
tribunal da Inquisição Romana ou Eclesiástica, limitando-se a pronunciar sobre
o fato da heresia, do mesmo modo que os tribunais ordinários pronunciam sobre a
realidade de um crime qualquer, foi, no
ponto de vista do direito, uma instituição justa e sábia, em harmonia com os
princípios que então regiam as sociedades cristãs. Com efeito, uma das
principais obrigações dos papas e dos bispos é manter a integridade da fé católica, em virtude da autoridade de
que são revestidos por Cristo. Ora, o
cumprimento deste dever os obriga, por uma parte, a verificar os erros e, por
outra, impedir a propagação deles, quer por via de persuasão e brandura,
quer, se for preciso, por meio dos castigos [o leitor não associe de imediato
estes castigos à tortura]. Ora, tal é o fim da Inquisição eclesiástica. Criando
esta instituição, a Igreja usava de seu direito, assim como o faz notar o sábio
cardeal Hergenroether: “perante os
perigos a que as seitas expunham a ordem civil assim como a ordem eclesiástica,
perante a anarquia e a imoralidade que elas semeavam por todos os lados, a
sociedade cristã tinha que valer-se dos meios mais extremos para se livrar
daquela peste moral, preservar do contágio a parte sã do povo, amputar os
membros mortos e gangrenados” (1)
Em relação aos fatos, foi um tribunal de reconciliação antes do que
de severidade. Nenhum tribunal se houve com mais benignidade. Temos
como prova disso o célebre processo dos Templários de França; esses acusados
pediram expressamente que fossem julgados pela Inquisição, “porque sabiam muito bem, dizem os historiadores, que se alcançassem tais juízes, não podiam
mais ser condenados à morte”. Filipe o Belo indeferiu o pedido.
“O tribunal da Inquisição, diz Cesar Cantú, pode
ser considerado como um verdadeiro progresso, porque se substituía às matanças
mais ou menos gerais e aos tribunais
sem direito de graça, inexoravelmente aferrados ao texto da lei, tais como
os que estavam instituídos pelos decretos imperiais. Este tribunal admoestava
por duas vezes antes de empreender qualquer devassa e ordenava a prisão só dos
hereges obstinados e dos relapsos; aceitava o arrependimento e contentava-se
com castigos morais, o que lhe permitiu
salvar muitas pessoas que os tribunais ordinários teriam condenado.”
(2)
É verdade que, segundo as
decisões de Inocêncio IV, em 1252, a tortura devia ser empregada nos tribunais
da Inquisição, como o era nos tribunais seculares da Europa. Esta censura,
pois, não pôde ser particular à Inquisição romana; e é certo que as disposições mais minuciosas foram aliás estatuídas pelos
papas, para impedir os abusos de força.
Fora dessa censura geral, ninguém pode pôr na conta da Inquisição uma
só condenação capital historicamente provada. Sim, sem dúvida, por mais de
uma vez deu seu parecer a respeito do crime de heresia, e então, segundo a
legislação civil da época, aplicavam-se ao criminoso as leis que estatuíam a
este respeito. Mas com que
misericordiosa indulgência a Igreja tratava o culpado, procurando inspirar-lhe
o arrependimento para poder conceder-lhe o perdão!
Tudo quanto os inimigos da
Igreja romana puderam respigar contra ela, resume-se no processo de Galileu, e
em dois ou três fatos falsamente atribuídos à Inquisição romana. Mas nem a
execução de João Huss e de Jerônimo de Praga, depois do concílio de Constança,
em 1415 e 1416, nem a de Jerônimo Savonarola, em 1498, podem ser imputadas à
Inquisição romana. A história imparcial
e verídica deixa todas as responsabilidades, para as primeiras ao imperador
Sigismundo e à obstinação desses dois hereges, e foi às paixões políticas que
agitavam Florença que Savonarola deveu principalmente o seu suplício, aliás
ordenado pela autoridade civil.
Em 1600, Giordano Bruno,
reconhecido como herege e obstinado pelo Santo Ofício, foi entregue ao tribunal
secular do governador de Roma. As leis castigavam seu crime com a morte, e o
culpado devia ser queimado vivo. Contudo, não é certo que a condenação tenha
sido executada de outro modo que em efígie. (3)
Os que estudaram um pouquinho
de direito e de história da Igreja, conhecem este axioma da Religião católica:
a Igreja aborrece o sangue! Sabem que é proibido a um sacerdote de ser
cirurgião, porque não deve derramar o sangue, nem para curar. Sabem que o
sacerdote nunca ergueu cadafalso, e que, em todos os pontos do globo, não
derramou outro sangue senão o próprio, como nota de Maistre.
“A Igreja, diz por sua vez Pascal, aborrece tanto o sangue, que julga ainda incapazes do ministério dos
seus altares os que teriam assistido a uma condenação à morte”.
É pois com razão que pôde
concluir de Maistre:
“A Inquisição, por sua
natureza, é boa, branda e conservadora: é o caráter indelével de qualquer instituição eclesiástica; vós o
vedes em Roma e haveis de encontrá-lo por toda a parte em que a Igreja exercer
a autoridade. Mas se o poder civil, adotando esta instituição, julga oportuno,
para a própria segurança, torná-la mais severa, a Igreja disto não responde
mais” (4)
(1) Hergenroether,
Histoire de l’Église, t. IV, p. 247.
(2)
Histoire
Universelle, t. XI, cap. VI.
(3) Revue des questions historiques, Julho
de 1887. Estudo de H. de l’Épinois sobre Giordano Bruno. – Desdouits, professor
de filosofia no Lyceu de Versalhes, sustentou a negativa num importante trabalho.
(4) 1ª Carta
a um fidalgo russo sobre a Inquisição.
Pe. Cauly, Curso de Instrução
Religiosa, Apologética Cristã, Tomo IV, pp. 367-372.
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