Não sejas vã, ó minha alma, nem ensurdeças o ouvido do coração com o tumulto da tua vaidade. Ouve também: o mesmo Verbo clama que voltes. O lugar do descanso imperturbável está onde o Amor não é abandonado, a não ser que o Amor nos abandone primeiro. Eis como estas coisas passam, para outras lhes sucederem, e assim se formar de todas as partes este mundo, cá embaixo. "Afasto-me eu, porventura, para outro lugar?", diz o Verbo de Deus. Fixa aqui, ó alma, a tua mansão. Retribui-lhe tudo o que dele alcançaste, já que estás cansada de tantos enganos.
Entrega à Verdade tudo o que tens recebido da Verdade, e não só não perderás nada, mas ainda a tua podridão reflorescerá, as tuas fraquezas serão curadas, as tuas frouxidões serão reformadas, rejuvenescidas e estreitamente unidas a ti, sem te colocarem na ladeira por onde descem, mas ficando contigo e permanecendo junto do Deus sempre estável e eterno.
Por que é que tu, perversa, segues a tua concupiscência? Que ela te siga a ti, quando retrocederes. O que por ela sentes constitui partes, e tu ignoras o todo formado por essas partes que ainda te deleitam. Mas se a sensibilidade do teu corpo fosse apta para receber o todo - e se na parte do todo não tivesses recebido, para teu castigo, a justa limitação -, quererias que passasse o que presentemente existe, para que o conjunto mais te deleitasse. Ora, tu ouves pelos mesmos sentidos carnais o que pronunciamos, e certamente não queres que as sílabas parem, mas desejas que voem para outras lhe sucederem, para ouvires o conjunto. Do mesmo modo acontece com as partes que formam um todo sem que haja simultaneidade nas partes de que consta o todo. Deleita mais o todo uno, quando pode ser percebido, do que cada uma das partes. Mas quanto melhor que estas coisas é Aquele que as fez todas, o nosso Deus, que não passa porque nada Lhe sucede.
Sto Agostinho, Confissões, Livro IV, Cap. 11.
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