I.
Sua origem e seu verdadeiro fim.
II.
É uma instituição régia: sua composição.
III.
Principais personagens que desempenharam o
papel de grandes inquisidores
IV.
Verdadeira intervenção da Igreja.
I. Muitos
estados cristãos tinham-se apressado, como já vimos, em estabelecer no seu país
um tribunal da Inquisição. É assim que, na França, Filipe Augusto o estabeleceu
contra os Albigenses, de acordo com o papa Inocêncio III. A Espanha, desde o
século XIII, possuía também um tribunal da Inquisição, porém, puramente
eclesiástico.
No século XV, Fernando e Izabel dela fizeram uma
instituição política da Espanha, e fundaram em 1479 o primeiro tribunal da Inquisição Espanhola, primeiro limitada,
na sua ação, aos únicos judeus batizados, os maranos, que exteriormente se faziam cristãos, mas nem por isso
deixavam de ficar apegados às crenças e ao culto do mosaísmo. Esta instituição
foi, ao depois, estendida a todos os judeus, cujas conspirações tinham motivado
o decreto de proscrição geral contra todos aqueles que não receberiam o
batismo. Este decreto, publicado a 31 de março, foi aplicado depois de 31 de
julho de 1472.
Era uma medida de bem
público: atribuía-se aos judeus uma
série de atos de vingança, fanatismo e revolta: cruzes mutiladas, hóstias
sagradas profanadas, meninos cristãos crucificados. Em 1485, em Toledo, tinham combinado de apoderar-se da cidade no dia da
festa do Corpo de Deus, e matar todos os cristãos.
Depois da conquista do
Granada (1492), Izabel e Fernando comprometeram-se em deixar aos Mouros a
propriedade de suas mesquitas e o livre exercício de seu culto. Os soberanos
não julgaram derrogar às suas promessas fazendo evangelizar os Mouros pelos
mais santos bispos da Espanha. Houve numerosas conversões. Daí revoltas da
parte dos Mouros fiéis a seu culto. Izabel e Fernando julgaram então poder
tratá-los como rebeldes. Não lhes deixaram mais do que a alternativa de
receberem o batismo ou emigrarem. Todavia, garantiam-lhes os bens, salvo um
imposto de dez florins de ouro por cabeça.
A maior parte dos Mouros
fizeram-se cristãos, e foram chamados moriscos.
Em 1502 o edito real foi estendido aos Mouros das províncias de Castela e de
Leão; foram submetidos como os de Granada à jurisdição dos inquisidores.
A Inquisição Espanhola nunca se propôs de obrigar os judeus e os
mouros a mudarem de religião. Usava de rigor somente contra os apóstatas que,
depois de terem sido batizados, voltavam ao judaísmo e ao islamismo, e
tornavam-se cúmplices dos crimes ou das revoltas de que o povo acusava os
correligionários deles. Os reis da
Espanha não tinham imaginado a Inquisição apenas com um fim religioso ou
absolutista; no seu pensamento, era um meio de fazer prevalecer a nacionalidade
espanhola contra o judaísmo e o islamismo; por isso era extremamente
popular, e quando um dia o inquisidor, Pedro de Arbues, foi assassinado, toda a
cidade de Saragossa sublevou-se para vingar a morte dele.
Mais tarde o papel da
Inquisição foi estendido ao protestantismo. Fiel às recomendações de seu pai
Carlos Quinto, Filipe II tomara a peito preservar seus estados deste erro “que teria trazido, diz Balmes, a guerra civil na Espanha, como nos outros
Estados”. E este escritor acrescenta: “Se
Filipe II tivesse procedido de outro modo, tratá-lo-iam de incapaz.” É
assim que o crime de heresia dependeu, assim como a magia e certos outros
crimes, do tribunal da Inquisição.
II. A Inquisição Espanhola não pode ser invocada
como um argumento sério contra o Catolicismo a não
ser que se prove que a Igreja, abusando do seu poder legislativo e coercitivo,
tenha ordenado atos bárbaros, não menos contrários às leis da natureza do que
ao espírito evangélico. Os inimigos da
Religião teimam em confundir a própria instituição do tribunal eclesiástico com
a Inquisição Espanhola. Ora, este é um procedimento desleal. Basta ler as atas régias para se convencer de que este último tribunal era intimamente ligado
com o absolutismo político.
“Julga-se que este tribunal é puramente eclesiástico, diz
Maitre; é um erro. O tribunal da
Inquisição Espanhola é puramente régio. É o rei que designa o inquisidor geral, e este, por sua vez, nomeia os
inquisidores particulares, com o consentimento do rei.”
Com efeito, o regulamento
constitutivo deste tribunal foi publicado em 1484 por Torquemada, de acordo com o rei de Espanha. As Cortes
ultra-liberais de 1812, que suprimiram a Inquisição, confessam francamente: “Que os reis sempre repeliram os conselhos
que lhes foram dirigidos contra este tribunal, porque são, em todos os casos os senhores absolutos de nomear,
suspender ou despedir os inquisidores”.
Os estatutos que, em 1484,
foram dados à Inquisição, indicam, por si próprios, a veracidade dessas
asserções, e provam, até a evidência,
que ela era realmente uma instituição do
Estado. Encontram-se sempre expressões como estas: “Suas Altezas (Izabel e Fernando) querem..., ordenam, etc.”
Assim a Inquisição Espanhola é uma instituição régia e não
eclesiástica. Ouvimos as Cortes o proclamarem: todo o
pessoal, tanto clérigos como leigos, era nomeado
pelo soberano e subtraído à autoridade da Igreja. O grande inquisidor foi
escolhido pelo rei, e o maior desejo do monarca foi de fazer confirmar pelo
papa a nomeação real. Os tribunais da Inquisição foram igualmente estabelecidos
pela autoridade do rei, primeiro em Sevilha, em seguida, nas diversas cidades
de Castela, de Aragão, de Valença e de Catalunha, onde se contaram até onze
tribunais. Quarenta e cinco inquisidores gerais procuravam os culpados,
instruíam os processos, que eram depois julgados pelo grande inquisidor,
assistido de conselheiros ou familiares escolhidos entre a nobreza.
O tribunal contava seis
conselheiros eclesiásticos seculares,
e dois regulares, dos quais um Dominicano. Todos, como já dissemos, dependiam
da nomeação do rei e do grande inquisidor por ele designado.
O célebre Dominicano
Torquemada foi o primeiro grande inquisidor de Espanha (1482-1498). É a seu
nome que se ligam as mais graves incriminações e é a seu ofício que a
Inquisição Espanhola foi devedora da reputação de terror que lhe conservaram os
séculos. Teve por sucessor D. Diego de Deza, a quem o historiador Llorente
acusa de ter excedido em severidade o próprio Torquemada; o zelo, na verdade
duro e severo, do novo inquisidor não podia deixar de lhe atrair semelhante
censura. Ximenes, grande inquisidor especial do Aragão (1507-1717), trouxe no
desempenho de sua missão mais discernimento e sabedoria. Com este homem
ilustre, a Inquisição foi menos entregue ao arbitrário. Destituiu certo número
de mandatários que tinham abusado do poder, e, desde então, o tribunal espanhol
perdeu sua reputação de rigor e severidade.
III. No meio
de tantas acusações formuladas contra a Inquisição Espanhola, é fácil descobrir
a verdadeira intervenção da Igreja.
Não é a ela, certamente, que se deve atribuir esta instituição tão
depreciada. Michelet nota que Sixto IV, Inocêncio VIII,
Leão X, lembraram aos inquisidores
espanhóis a parábola do Bom Pastor, e que, quando Carlos Quinto quis introduzir
a Inquisição em Nápoles, o papa Paulo III animou a resistência dos Napolitanos,
acusando a Inquisição da Espanha de afastar-se
dos exemplos de brandura que lhe eram dados por aquela de Roma. (1)
Todavia, para a justificação
da Igreja e dos papas nesta importante matéria, não podemos fazer melhor do que
citar os próprios testemunhos de Llorente, historiador da Inquisição da
Espanha, adversário da Igreja, autor primeiro e principal de todas as acusações
feitas contra a instituição espanhola. Sua narrativa servirá de comentário à
afirmação de Michelet. “Sixto IV, não conseguindo impedir pelo menos avisou os
inquisidores que não podiam pleitear sem o consentimento dos bispos. Além
disso, estabeleceu um Tribunal de apelação papal, ao qual
podiam recorrer aqueles que teriam que se queixar da Inquisição, e anulou ou
suavizou muitas sentenças.
A despeito dos esforços
feitos por Izabel e Fernando, assim como por Carlos Quinto para iludir esta
intervenção da Santa Sé, a história conservou a memória de condenados aos quais
este tribunal de apelação mandou
restituir os bens e direitos civis. A
história ensina-nos também que o mesmo tribunal salvou da infâmia e da
confiscação os filhos de muitas vítimas.
“Leão X excomungou, em 1521,
o inquisidor de Toledo, apesar das prostestações de Carlos Quinto. Queria mesmo reformar radicalmente a
Inquisição da Espanha, submetendo-a aos bispos; mas Carlos Quinto o desviou
desse intento com o espantalho de Lutero. Mais tarde o erudito escritor Virués,
tendo sido condenado como suspeito de luteranismo, Paulo III declarou-o inocente e nomeou-o bispo das Canarias. O célebre
latinista Marco-Antonio Muret, condenado à fogueira, foi acolhido em Roma, onde
ensinou à juventude sob a proteção do papa” (2)
Por outro lado, os soberanos pontífices não pouparam as
exprobações e censuras aos próprios grandes inquisidores, quando se afastavam
da mansuetude. – Sixto IV, que só a custo consentira em dar a Bula da
instituição da Inquisição da Espanha (1478) e ratificar a nomeação de
Torquemada, censurou severamente, num
breve de 29 de Janeiro de 1482, os inquisidores de Sevilha por causa de sua
dureza. Alexandre IV, em 1494, ameaçou
de destituição o grande inquisidor se não tivesse, no exercício de seu
ministério, mais brandura evangélica e maior respeito pelas instruções
pontifícias.
Deste modo, a Igreja, que não teve nenhuma parte nos regulamentos
da Inquisição Espanhola, se
esforçava por suavizar-lhe os rigores: excitava
à indulgência os juízes por demais severos; tomava a defesa dos oprimidos.
Longe de adotar como sua esta instituição da Espanha, repudiava-a energicamente: Paulo III e Pio IV – este último com o
concurso de seu sobrinho são Carlos Borromou, - opuseram-se ao projeto de introdução da Inquisição Espanhola em
Nápoles e Milão.
Deixe-se, portanto, de atribuir à Igreja o que não é obra dela. Esta
observação de José de Maistre fica sempre verdadeira: “Quereis, diz ele, conhecer sobre este ponto essencial o verdadeiro
espírito sacerdotal? Estudai-o nos países em que o sacerdote segurou o cetro, e
onde o possui ainda. Circunstâncias extraordinárias tinham estabelecido na
Alemanha uma multidão de principados eclesiásticos. Para julgá-los
relativamente à Justiça e à brandura, bastaria lembrar o velho provérbio
alemão: É agradável viver debaixo do
báculo. Os provérbios são o fruto da experiência dos séculos e nunca se
enganam. Apelo pois para este testemunho, corroborado, além disso, por aquele
de todos os homens que têm juízo e memória.” (3)
(1) Michelet,
Précis de l’HIstoire Moderne, p. 50.
(2) Llorente,
Histoire critiqué de l’Inquisition
d’Espagne.
(3) Cartas a
um fidalgo russo sobre a Inquisição.
Pe. Cauly, Curso de Instrução
Religiosa, Apologética Cristã, Tomo IV, pp. 377-383.
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