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Inquisição II - A Inquisição na França



      I.                   Resumo histórico
II.                Apreciações

I.       A Inquisição foi instituída na França nos princípios do século XIII. Apresenta-se menos como a obra da Igreja, do que do tempo e das necessidades da época. Houve um como período preparatório de setenta anos (1160-1229) durante o qual a idéia de um tribunal se elaborava, no meio-dia da França, para reprimir as desordens das seitas heréticas. De 1229 a 1350 vemos que está em pleno exercício.

As províncias meridionais sofriam grandemente das perturbações causadas pela heresia dos Albigenses. Esta seita não atacava somente os dogmas católicos, ressuscitando os antigos erros dos maniqueus; mas perturbava toda a ordem social, saqueando e assolando, cometendo toda a sorte de exações e violência, a tal ponto que Filipe Augusto teve que organizar uma cruzada contra ela, depois do assassinato do legado do Papa, Pedro de Castelnau (1208), crime de que foi acusado o conde de Tolosa, Raimundo VI.

À voz do Papa Inocêncio III, todos os senhores do Norte alistaram-se e precipitaram-se sobre o Meio-Dia, sob comando de Simão de Montfort. A luta foi terrível; a cidade de Béziers foi tomada e destruída e todos os habitantes foram mortos. Depois de uma paz humilhante, Raimundo pegou de novo em armas e foi vencido em Muret (1213); mas o Languedoc e a Provença sublevaram-se a favor do filho dele, e a guerra acabou só em 1229, debaixo da menoridade de são Luiz.

A seita, vencida pelas armas, nem por isso deixou de prosseguir nas suas devastações e nos seus ataques contra a Igreja e as coisas santas. Para acabar com essas desordens, alguns tribunais da Inquisição foram estabelecidos especialmente em Albi, Carcassone e Tolosa. De seu modo de funcionar e suas sentenças ficam documentos felizmente recolhidos, que permitem determinar nitidamente a verdade. (1)

A Inquisição, na França, apresenta-se com o duplo caráter de ser ordenada pelos concílios e exercida pelos bispos: é uma Inquisição episcopal.

Desde 1163, o concílio de Tours, presidido por Alexandre III em pessoa, tratando da questão dos Albigenses, reconheceu a necessidade de reprimi-los com penas temporais, e pediu aos príncipes que prendessem os hereges notórios e os castigassem com a confiscação dos bens.

O concílio de Latrão, dezesseis anos mais tarde, editou que os príncipes tinham o direito de submeter os hereges à servidão. Em 1883, o de Verona ordenou a busca dos hereges pelo bispo diocesano, e os oficiais da autoridade civil tiveram que comprometer-se a observar também este decreto. É debaixo desta forma que começou a Inquisição episcopal em Tolosa, em 1229, regulamentada por um concílio cujos cânones tornavam definitivo e regular o tribunal encarregado de procurar e reprimir os hereges.

Em 1233, as funções inquisitoriais passaram aos Dominicanos, cujo santo fundador fora um dos primeiros assessores do tribunal de Tolosa e empregara contra os hereges a brandura, a persuasão e a oração, muito mais do que a repressão coercitiva.

A persuasão, as penas salutares e medicinais foram os meios sempre aconselhados pela Igreja, especialmente recomendados por Inocêncio IV, e devemos acrescentar, geralmente aplicados pela Inquisição na França.

A isenção da pena de morte, da prisão perpétua, do exílio, da confiscação dos bens, era garantida ao acusado que se apresentava no prazo fixado, chamado tempo de graça (Concílio de Béziers, 1246).

As penas ordinariamente infligidas eram: a pena cominatória da excomunhão; as penas menores, consistindo em obras pias, esmolas e romarias; as penas infamantes: a flagelação, a cruz ou qualquer outro emblema, que o herege era obrigado a trazer sobre a roupa; e enfim as penas maiores, a confiscação dos bens, a prisão, a morte pela fogueira. Destas últimas os casos foram raríssimos. (2)

Depois da extinção da heresia dos Albigenses, a Inquisição na França aparece apenas em dois processos: o dos Templários em Sens, debaixo de Filipe o Belo, e o de Joana d’Arc, em Ruão, em 1431.

II.    Foi a Inquisição, na França, isenta de qualquer exprobação de intolerância, severidade, fanatismo? – Pretendê-lo seria, sem dúvida, desconhecer a natureza humana, raras vezes isenta de abuso e paixão, quando se trata de combater o erro complicado de revolta e de ataque à paz social.

Falando da cruzada contra os Albigenses, um judicioso escritor do século XVIII, Bergier, escrevia: “Sabemos que, logo que se puxa da espada, julga-se com direito a tudo, que um ato de crueldade torna-se um motivo para represálias sangrentas. – É o que se viu em nossas guerras civis do século XVI: certamente os homens não foram mais moderados no século XIII. Não pretendemos nem tampouco sustentar que é louvável ou permitido perseguir a ferro e fogo hereges cuja doutrina em nada lesa a ordem e a tranqüilidade públicas, e cujo procedimento é aliás pacífico; a questão é de saber se os Albigenses estavam neste caso.”

Ora, segundo todos os dados históricos, parece inegável que os Albigenses espalhavam, em todo o meio dia da França, o incêndio, o saque, o homicídio, ao mesmo tempo que a heresia e o insulto às coisas mais sagradas. A ordem pública, na idade média, era a ordem social cristã. A Igreja e o Estado tinham o direito e o dever de o defender contra a desordem e o crime.

Houve penas aflitivas, castigos, sem dúvida, represálias. Será isso uma razão suficiente para afirmar, como um fato averiguado, “a horrível história da Inquisição dominicana que cobriu de fogueiras o meio-dia da França”? – Tal não é o parecer de historiadores que não se podem contudo acoimar de clericalismo, nem tampouco de sentimento cristão.

“Os Albigenses, diz Michelet, não eram sectários isolados, mas uma igreja inteira, que se formara contra a Igreja. Em toda a parte onde eram senhores, destruíam e queimavam as cruzes, as imagens e as relíquias dos santos e maltratavam o clero”. (3)

A república cristã, portanto, defendia-se contra a heresia, e defendia-se com as armas que a lei lhe dava naquela época. Não era somente a Igreja, era o Estado cristão que vingava o ultraje feito à ordem social, e antes de aparecer nos estatutos da Inquisição, as penalidades contra os hereges obstinados e perigosos estavam exaradas nas ordenanças do imperador Frederico II da Alemanha, assim como, mais tarde, nas de Fernando da Espanha.

Um historiador protestante da América proclama isso num livro recente (4): “A Inquisição não foi uma organização arbitrariamente concebida e imposta ao mundo cristão pela ambição e pelo fanatismo da Igreja. Foi antes o produto de uma evolução natural, poder-se-ia quase dizer necessária, das diversas forças em ação no século XIII.” E em outro lugar, acrescenta:Os inquisidores preocupavam-se muito mais em converter do que em fazer vítimas... Estou convencido de que o número de vítimas que pereceram nas fogueiras é muito menor do que se julga ordinariamente. Entre os modos de repressão empregados em conseqüência das sentenças inquisitoriais, a fogueira foi relativamente o menos usado.”

Segundo o mesmo autor, Bernardo de Caux, que exercia a Inquisição no país de Tolosa, nos meados do século XVI, e foi alcunhado o martelo dos hereges, não entregou um só deles ao braço secular. Bernardo de Guy, de 1308 a 1323, no espaço de quinze anos, pronunciou 637 condenações, das quais só quarenta a penas capitais. A respeito dos oitenta hereges que o conde Raimundo de Tolosa mandou queimar perto de Agen, em 1248, Léa se apressa em dizer que “se aqueles desventurados tivessem sido julgados pela inquisição, nenhum deles teria sido condenado à fogueira” (5)

É à luz da verdade imparcial e leal que convém estudar e julgar este lado, muitas vezes falseado, da história francesa. Não é necessário carregá-la com as cores rubras da lenda. É bastante que tenhamos que lamentar os excessos da Inquisição sem de propósito enegrecer o quadro. Concluamos lealmente que se a Igreja e os príncipes tiveram razão em defender a verdade e a ordem social, não o tiveram em exceder na repressão.

(1)   Sobre a Inquisição no Sul da França, consultar o estudo feito em 1880, pelo senhor Molinier, sobre as Sources de son histoire; em 1881, pelo padre Douais (mais tarde, bispo de Beauvais) sobre o mesmo assunto. – L. Tanon, Histoire des tribunaux de l’Inquisition en France (1893), estudo principalmente jurídico.
(2)   Manuscrito do Clermont-Ferrand, nº 136 da biblioteca da cidade.
(3)   Michelet, Histoire de France.
(4)   Henrique-Carlos Léa, Histoire de l’Inquisition au moyen age, tradução de Salomon Reinach, t. I. Origem e autos da Inquisição 91900) – O espírito desta obra é profundamente sectário e hostil à Igreja Católica. Nela contudo encontram-se muitas vezes páginas imparciais. (Études religieuses, nº de 5 de fevereiro de 1901.)
(5)   Citações feitas na câmara dos deputados na França pelo padre Gayraud, sessão de 24 de janeiro de 1901.

Pe. Cauly, Curso de Instrução Religiosa, Apologética Cristã, Tomo IV, pp. 372-377.

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2 comentários:

  1. Se vc fosse uma das vítimas deste genocídio não diria tantas asneiras. Controle populacional era realmente o tópico, mas genocídio, abuso de menores entre outros crimes ediondos era uma práxis de homens que não se aproximavam em nada de Deus e e t pouco tinham qualquer boa intensão.

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    1. Caro, o que você põe aí é uma opinião fundada em qualquer livreco desses do mec. Não é que a Inquisição fosse um movimento perfeito. Onde há homens há abusos. Mas o princípio era, sim, bom. Sem falar que as atrocidades a que você se refere são as da Inquisição Espanhola, que não era um tribunal régio, e este post fala da Inquisição na França, que, este sim, era eclesiástico. No mais, há estudos muito sérios, com fontes primárias sobre o tema. Você faria bem em lê-los, e te digo isso de verdade. Pesquise os dois lados. Para estudar esses problemas históricos, não se contente com as fontes mais fáceis, mas com os especialistas na área e com fontes primárias. É assim que se estuda história. Não se trata de ler autores católicos, mas medievalistas e experts no assunto.

      Boa sorte. Fique em paz.

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Fique à vontade para comentar. Mas, se for criticar, atenha-se aos argumentos. Pax.

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