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A Intuição Metafísica do Ser - Thomas Merton


Ultimamente, tenho feito várias transcrições do livro "Ascensão para a Verdade" do Thomas Merton. Há vezes que fico meio desconfortável por colocar tanta coisa só de uma fonte, mas é que eu encontro tantos tesouros e fico querendo compartilhar com os leitores aqui do blog, que nem tenho certeza se chegam a ler os artigos todos. Mas, eu recomendo muito a leitura das transcrições deste livro e os do Thomas Merton em geral disponibilizados aqui no blog. O Thomas tem alguns escritos, realmente, suspeitos, mas, destes, eu não os porei aqui. Enfim, aí vai mais uma pequena transcrição. São coisas que, sinceramente, me deleitam. Quisera eu que vocês também se alegrassem. Ah, e o senso de humor dele é muito bom. rs... Vamos lá.

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A ação de Deus na oração passiva aprofundou e alargou o poder natural da vontade em experimentar o prazer espiritual. Nada há de miraculoso nas novas capacidades espirituais que a alma descobre em si mesma. Elas fazem parte da sua natureza, mas tinham o seu exercício frustrado e entorpecido pelo apego aos prazeres sensíveis. Agora, estão livres e começam a recobrar frescura e vigor.

Quais são essas capacidades? Só mencionarei uma como exemplo. É o senso metafísico do ser e de todos os transcendentais. Muitas pessoas podem sequer compreender as noções abstratas do ser, verdade, beleza, unidade, como são propostas pelos filósofos. Não têm nenhuma capacidade para apreciar essas realidades, que para eles não passam de simples palavras. Para excitar o interesse dos que vivem aprisionados ao nível da experiência dos sentidos, e não têm familiaridade com o pensamento e a intuição filosófica, é preciso apresentar-lhes exemplos concretos e particulares de ser, de verdade e outros. (...) "Verdade", "beleza", só são apreciados em suas manifestações mais fragmentárias. Centenas de milhões de gordos cidadãos estão em vias de beber copázios de cerveja gelada. Centenas de milhões de moças exibem sabão, meias, cigarros, automóveis e um milhão de outras coisas, convidando os que contemplam tais anúncios a apreciar os produtos com olhos de consumidor. É tudo que vale como "ser" num mundo decidido a estourar-se.

Quando, pela prática da oração e a disciplina interior, um homem se livra das preocupações inúteis com o que é fragmentário e particular, e pode fazer um uso moderado das coisas materiais sem se deixar levar demais por elas, e quando Deus lhe alargou a capacidade de alegria espiritual com as graças infusas da oração, ele começa a experimentar alguns dos prazeres que pertencem por direito à alma humana, mas que muitos esqueceram. Metafisicamente falando, os valores que podem ser provados na experiência sensível de coisas particulares, podem ser desfrutados em forma concentrada e muito mais alta, numa intuição espiritual das propriedades transcendentais do ser. Procurarei explicar isto de um modo que seja aceitável mesmo àqueles que secretamente lamentam não ter estômagos infinitos para devorar todos os frangos fritos do mundo. Não nos é possível entrar na posse de toda a bondade dos alimentos existentes, simplesmente nos assentando para comê-los com a vista. Apesar das ambinções de Gargantua, os nossos corpos não são equipados para esse feito.

Entretanto, toda a realidade existente e toda a bondade de cada coisa que é boa, pode ser espiritualmente provado e desfrutado numa simples intuição metafísica do ser e da bondade como tal. O puro e intelectual deleite desta experiência faz de toda a embriaguês causada pelo vinho parecer um simples remanescente. Não falo aqui de nada místico, mas da mera intuição natural do ser, da bondade. Aqui o ser, a bondade, participados por todas as coisas particulares, são compreendidos numa simples intuiçõa luminosa que banha o nosso espírito de luz e alegria. É uma sorte de êxtase natural em que o nosso ser reconhece em si um parentesco transcendente com tudo que existe, e como que sai de si mesmo em busca de cada ser, e volta a si mesmo para achar todo ser. Num momento de rica iluminação metafísica elevamo-nos acima dos acidentes e das diferenças específicas para descobrir todas as coisas numa realidade transcendental sem diferenciação, a qual é o ser em si mesmo.

O fundamental dessa experiência é, sem dúvida, uma súbita penetração intuitiva do valor de nosso próprio ser espiritual. É uma profunda consciência metafísica da nossa realidade, não do eu superficial comum, psicológico, comprometido na busca de muitos desejos temporais e na fuga de muitos temores, mas da profunda realidade substancial de nosso ser pessoal. Neste momento de luz, a alma pode experimentar da liberdade inata que lhe é devida como uma propriedade do espírito. Ela pode até passar a uma intuição do Ser Absoluto que transcende absolutamente o nosso mais elevado conceito de ser e de espírito. Nesta intuição metafísica de que falo, a inteligência não entra numa visão imediata do Ser infinito. Deus é percebido numa inferência que parte do ser criado. Ele é conhecido no reflexo que deixa nas profundezas vitais do nosso espírito, do qual Ele é o Criador e que é o espelho onde se projeta a sua imagem.

E, no entanto, a intuição metafísica do ser e de suas propriedades transcendentais é uma grande coisa. Ela não pode dar-se sem alguma pureza moral e seu efeito natural é fortalecer a alma e ajudá-la a livrar-se de perigosas ligações. Através desta intuição há uma outra, a intuitiva apreciação do Ser Absoluto de Deus, uma intuição qualitativa, colorida de afetividade, em virtude da luz analógica derramada sobre a idéia do Criador pela intensa vitalidade e alegria que o espírito, consciente de ser a sua criatura, concebe em si mesmo.

É uma coisa tão grande essa intuição, que os filósofos pagãos pensavam que era a maior bem-aventurança. É de fato a maior a que pode o homem chegar por seus poderes naturais. Esse prazer, essa plenitude intelectual que é uma resposta parcial à mais profunda necessidade do ser espiritual do homem, a necessidade de contemplação, é acessível à natureza. Mas é sob a direção da graça que ela é atingida logo e mais perfeitamente.

Thomas Merton, Ascensão para a Verdade, Cap. XII
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