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"O pão nosso de cada dia nos dai hoje" - Sta Teresa D'Avila sobre a Eucaristia


Vendo o bom Jesus que seu auxílio nos era muitíssimo necessário, buscou um meio admirável por onde nos mostrasse o seu excessivo amor por nós. Em seu próprio nome e no de seus irmãos, fez esta petição: O pão nosso de cada dia nos dai hoje, Senhor.

Por amor de Deus, compreendamos bem o que nosso bom Mestre pede. Para nós é questão vital não passarmos por alto sobre este ponto. Convencei-vos de que destes pouquíssimo e haveis de receber imenso tesouro.

Tenho para mim, salvo melhor parecer, que o bom Jesus, considerando o que havia prometido por nós, viu o quanto nos importava cumprir esta sua palavra. Por outro lado, percebeu as grandes dificuldades que nisto teríamos de superar, por sermos tão vis e inclinados a coisas da terra e termos tão pouco amor e coragem.

Para despertar-nos ele quis então que víssemos quanto nos amava. Isto não uma vez, mas, todos os dias. Resolveu então ficar para sempre conosco.

Sendo coisa de tal gravidade e de tanta importância, quis o bom Jesus que essa graça nos fosse concedida pela mão do eterno Pai. Ele sabia muito bem que seu Pai não deixaria de confirmar e aprovar no céu o que ele fizesse na terra. O pai e o Filho entre si são ambos uma só e mesma coisa. A vontade de um é a vontade do outro. Contudo era tão profunda a humildade do Filho que, por assim dizer, quis primeiro pedir licença a seu Pai, embora soubesse que era o objeto do seu amor e de sua complacência.

Entendeu perfeitamente que nesta súplica pedia mais do que em todas as outras, porque antevia a morte que o esperava e as desonras e afrontas que havia de padecer.

Que pai haveria, Senhor, que, tendo-nos dado seu filho - e que Filho! - e vendo o estado em que o pusemos, consentiria em deixá-lo entre nós e padecer de novo cada dia? Por certo nenhum, Senhor, senão o vosso Pai, e bem sabeis a quem pedis! Valha-me Deus! que grande amor o do Filho, e que grande amor o do Pai!

Todavia já não me admiro tanto do bom jesus. Tendo dito: faça-se a vossa vontade, e não sendo como nós, havia de cumprir a palavra de modo digno de quem é, com a perfeição de um Deus. Sabia que devia amar-nos como a si mesmo para cumprir a vontade de seu Pai. Assim andava buscando um meio, para cumprir este mandamento com a maior perfeição, embora muito à sua custa.

Porém, vós, Pai Eterno, como consentistes? Por que motivo quereis ver vosso Filho cada dia em mãos tão indignas como as nossas? Por uma vez que assim quisestes e consentistes a seu pedido, bem vistes o estado em que o deixaram.

Como pode vossa piedade presenciar diariamente - sim, diariamente - as injúrias que lhe fazem? E quantas não se devem hoje assacar a este santíssimo Sacramento! Em quantas mãos inimigas não o vê o Pai! Quantos desacatos por parte desses hereges!

Ó eterno Senhor! Como admitis tal petição? Por que dais vosso consentimento? Não vos guieis pelo amor de vosso Filho! A troco de realizar plenamente vossa vontade e de nos fazer benefícios, ele se deixará despedaçar cada dia.

Toca a vós, Senhor meu, providenciar o que é justo. A vosso Filho nada parece demasiado. Por que razão todo o nosso bem há de ser à sua custa? A tudo cala, não sabe falar por si, senão só por nós - não haverá quem fale em defesa desse amantíssimo Cordeiro?

Tenho reparado que só nesta petição, ele duplica as palavras. Primeiro diz e pede que nos seja dado este pão cada dia, e depois torna a dizer: Nos dai hoje, Senhor.

Apela para seu Pai, como a dizer-lhe que é nosso, já nos pertence porque o deu uma vez para morrer por nós. Não o torne a levar até o fim do mundo. Deixe-o para nos servir cada dia.

Não há escravo que de boa vontade confesse que o é: e eis que o bom Jesus parece gloriar-se de o ser. Isto nos enterneça o coração, e nos mova a amar sempre mais o vosso Esposo.

Ó eterno Pai! Por certo, bem meritória é esta humildade! Com que tesouro compraremos vosso Filho! Já sabemos que foi vendido por trinta dinheiros, mas, para comprá-lo não há preço que baste! Nesta oração faz-se uma só coisa conosco pela participação da nossa natureza. Como senhor e árbitro de sua vontade, faz ver a seu Pai que sendo ele dono da sua própria vontade, quer dar-se a nós. Assim diz: o pão nosso.

Não faz diferença alguma entre ele mesmo e nós. Entretanto diariamente nós o fazemos em demasia para não nos darmos cada dia por Sua Majestade.

Sta Teresa D'Avila, Caminho de Perfeição, VIII Parte.
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