Joseph Ratzinger
Aí está um paralítico, pedindo esmola diante da chamada Porta Formosa do Templo de Jerusalém. Pede dinheiro para poder garantir o seu sustento, uma vez que não é capaz de construir por si mesmo a sua vida. Pede dinheiro como um sucedâneo da liberdade que lhe falta, como um sucedâneo da vida que lhe é negada. E então aparecem João e Pedro. Como são pobres daquilo que o mendigo lhes pede: "não tenho ouro nem prata"! Em contrapartida, como são ricos daquilo em que o paralítico não pensa e não ousa pedir, mas que é o mais importante: "Mas o que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!" (At 3,6)
Ao invés do sucedâneo, o paralítico recebe o impensado, o inesperado, aquilo que não ousava pedir. Recebe o que realmente importa: a própria vida. Recebe-se a si mesmo. A partir desse momento, pode erguer-se sobre os próprios pés, pode seguir o seu caminho, pode saltar - como diz o texto da Sagrada Escritura -, o que é um sinal de liberdade. E pode entrar no Templo, o que significa dizer "sim" ao Deus Criador, inserir-se no coro que entoa o "sim" da Criação inteira, tornar-se um "sim" a si mesmo e ao seu Criador.
"Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!" Nesta palavras, descreve-se de maneira válida para todos os tempos o conteúdo do ministério sacerdotal. Nem ouro nem prata: a nossa missão não é a transformação material do mundo. Numa época em que experimentamos tão a fundo a penúria material, a fome de tantos milhões de pessoas, numa época em que só parece contar o que é quantificável - ou seja, aquilo que se pode medir, calcular e tomar nas mãos como "fato" -, sentimo-nos imensamente pobres. E é compreensível que sintamos uma e outra vez a tentação de não ficar só em palavras - ao menos aparentemente -, palavras que parecem tão pequenas e tão impotentes diante das verdadeiras necessidades do mundo. Não, essa tentação de converter também o sacerdócio em assistência social e ação política, a fim de termos enfim algo de tangível e efetivo para oferecer, tem de ser vencida.
Aos poucos, temos começado a perceber que os homens não sentem fome apenas de pão e de dinheiro, mas que efetivamente sentem fome de palavras - dessas palavras em que lhes damos um pouco de nós mesmos, em que lhes damos amor. No fundo, é sobretudo de amor que vive todo o homem. Começamos a compreender que pecamos se não lhes damos esse dom, se o ocultamos envergonhados. E começamos igualmente a tomar consciência de que mesmo os milhões de pessoas que efetivamente passam fome neste mundo não se podem sentir satisfeitos, e na verdade nem ao menos são tratados de maneira justa, se apenas lhes damos um pouco de dinheiro para o pão. Também eles - e sobretudo eles - sentem fome de algo mais, fome de palavras, fome de receber as atenções do nosso amor.
Mais ainda: as nossas palavras, a nossa atenção, que pouco são! Não bastarão nunca! Temos que dar mais, e é nisso que consiste a grandeza do ministério sacerdotal. Temos que dar aquilo que o homem não procurava, que muitas vezes nem ao menos conhece, e no entanto constitui a sua autêntica necessidade. Por isso, não temos o direito de regular a nossa oferta pela procura: se o fizéssemos, privaríamos o ser humano do mais essencial, levá-lo=íamos a resignar-se com os sucedâneos e afastá-lo-íamos daquilo que importa e que é capaz de devolvê-lo a si mesmo. Temos que dar o nome de Jesus Cristo. É por esse Nome que a humanidade procura com tanta fome, mesmo que não o saiba, no meio das suas revoltas por causa das privações deste mundo. Ele é o dom que pode dar ao homem a sua liberdade, a liberdade de andar com os seus próprios pés, de caminhar, saltar e entrar no Templo do Senhor para tornar-se louvor, para dizer "sim" ao Criador, que em todas as angústias deste mundo continua a ser o nosso Salvador e nos quer incorporar ao seu "Sim".
Dar aos homens o nome de Jesus Cristo: este é o conteúdo permanente do ministério sacerdotal. Sempre me comovo quando, ao distribuir a comunhão, posso e devo dizer: O Corpo de Cristo - quando dou aos homens algo que é infinitamente mais do que tudo o que sou e tenho; quando lhes dou muito mais do que seria capaz de lhes dar apenas como ser humano; quando posso pôr o próprio Deus vivo nos seus corações.
Da mesma forma, é inaudito poder dizer-lhes no Sacramento da Penitência: Eu te absolvo. A ti, não ao elemento de uma coletividade anônima qualquer em que todos dizem: "Sim, é verdade, todos nós somos pecadores", e "Bem, no fim Deus terá piedade de nós", quando na verdade - como diz um poeta moderno - "não conseguimos deixar de ruminar o nosso passado mal digerido". Não, nada de coletividades em que, em última análise, eu, com o meu passado de culpas e misérias, não me sinto diretamente interpelado. Eu te absolvo.
Um amigo contou-me de um sacerdote, prisioneiro de guerra dos russos, a quem um clérigo não-católico procurou com o pedido de que o confessasse. O sacerdote perguntou-lhe: "Mas por que o senhor recorre a mim?" E a resposta foi: "Porque não quero conselhos, mas a absolvição". Isso é o que significa dar o nome de Jesus, dar o próprio Jesus, e dizer: "Estás livre. A tua culpa já não conta, foi-te tirado o peso do teu passado. Podes levantar-te, andar por ti mesmo, caminhar para Deus, saltar e louvar".
E inaudito é também podermos conferir na hora da morte a unção para a ressurreiçãoressurreição é o único remédio verdadeiro para a morte, de forma que até nessa hora em que ocorre a máxima paralisia neste mundo possamos dizer: "Levanta-te! Porque hás de erguer-te e retomar o teu caminho, e olhar o teu Deus nos olhos e louvá-lo. e já ninguém poderá roubar-te a tua liberdade".
Dar aos homens o nome de Jesus. Isto pressupõe, no entanto, que nós mesmos estejamos nesse Nome, que ele tenha sido invocado sobre nós. E aqui se revela o mistério mais profundo do sacerdócio: ninguém pode pronunciar por si mesmo o nome de Jesus; só Ele é que nos pode dar a autoridade necessária para fazê-lo.
Ao chamar o Profeta Jeremias, Deus disse-lhe: "Pus as minhas palavras na tua boca" (Jer 1,9). É justamente o que diz a cada um de vós [ordenandos] nesta hora: "Ponho as minhas palavras na tua boca". A partir de agora, podes e deves pronunciar as palavras dEle. Poderás dizer: Isto é o meu Corpo! Este é o meu sangue! E poderás dizer: Eu te absolvo. Com o teu eu? Não, porque nenhum homem pode dar-te poder para tanto. E também nenhuma comunidade, porque são palavras pessoais, exclusivas, de Cristo. É somente no Sacramento, no poder sacramental que o Senhor mesmo confere, que isso se pode dar, e é só assim que o seu Nome pode continuar a estar presente neste mundo.
"Ponho as minhas palavras na tua boca": em última análise, isso é também o que nos torna livres. Não precisamos reinventar nós a Igreja, a sua eficácia não depende da nossa eficácia, da nossa piedade, da nossa limitada capacidade de amar. "Ponho as minhas palavras na tua boca". Por isso, Deus aceitou que Jeremias tentasse contradizê-lo, afirmando: "Ah, Senhor, eu não sei falar, ainda sou criança (Jer 1,6). Quantas vezes não teimaremos dessa forma com o Senhor, embora a sua resposta permaneça sempre a mesma: "Mas se não és tu quem fala! Ponho as minhas palavras na tua boca". Assim serás livre e poderás falar, anunciar o Nome de Jesus, com toda a paz. É precisamente por falarmos no seu Nome que podemos ter essa grande serenidade interior, essa paz e essa liberdade sem as quais semelhante ministério seria insustentável. O que não significa, evidentemente, que possamos por assim dizer permanecer alheios ao que dizemos, como simples alto-falantes indiferentes. O sentido do nosso ministério só se realiza plenamente quando realmente começamos a pensar por nós mesmos os pensamentos de Cristo e assim a participar das suas palavras.
Com isto chegamos ao que nos diz o Evangelho de hoje. Há nele duas frases de Jesus relacionadas entre si: "Simão, filho de João, amas-me?" e "Apascenta os meus cordeiros" (Jo 21,15-17). Segundo estas palavras admiráveis do Senhor, amar e apascentar são a mesma coisa. Porque o "apascentar" - isto é, cuidar do bem das almas - só se realiza por meio do "amar", por um amar com o amor de Jesus Cristo. A eficácia dos Sacramentos não depende de nós e a Palavra não deixa de ser verdadeira mesmo quando nos acusa (e muitas vezes essas realidades hão de servir-nos de consolo). Mas só poderemos ser pastores de almas se apascentarmos, isto é, se nos tornarmos homens que amam, que amam com Cristo. Temos, pois, de voltar-nos para Ele: "Senhor, Tu que queres que eu fale por ti: dá-me esse Nome! Dá-me ao teu Nome, e dá-me o teu Nome!"
(...) Apascentar significa amar. Cuidar das almas significa amar com o amor de Jesus Cristo, o que por sua vez significa amá-lO e ser amado por Ele. Porque é assim que Ele nos apascenta.
Este amor a Jesus Cristo nada tem de adocicado, barato ou cômodo. Afinal, é este amor que nos conduz, como diz o Evangelho, ao cumprimento destas outras palavras: "outro te cingirá e te levará pra onde não queres ir" (Jo 21,18). Precisamos encontrar a amizade com Jesus, ouvir e reconhecer o pulsar do coração divino na Sagrada Escritura, para que, quando Ele nos cingir e nos levar para onde não queiramos ir, continuemos a reconhecer nEle o Amigo, o Coração de Deus, e saibamos que, por mais que nos custe, Ele está a conduzir-nos para o amor, a salvação e a liberdade.
Homilia do Cardeal Joseph Ratzinger por ocasião de uma ordenação sacerdotal na cadetral de Nossa Senhora de Freising, 27.06.1981.
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