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Para que vivamos uma santa Semana Santa


Estamos adentrando na grande Semana Santa, o tempo em que o Mistério se adensa e todos os católicos somos como que envolvidos por esta certa penumbra, uma noite que se estende e nos cerca e nos põe em maior intimidade com a solidão do Senhor; tempo em que Ele nos pede ficar despertos e fazer-Lhe companhia, pois Sua alma está "triste até a morte". Mas há algo como o cansaço nos olhos dos Apóstolos. Estes tempos, em que Jesus carrega aos ombros o peso descomunal das nossas ofensas, tentam-nos ao sono, ao abandono da vigília, à cessão aos reclames da nossa sensibilidade tão pouco simpática ao rigor.

E há um grande problema que é fácil verificar nestes tempos hodiernos e que impede os católicos de viverem convenientemente estes dias fortes. Muitos de nós mantemos uma concepção um tanto equivocada da Paixão do Senhor - da espiritualidade católica como um todo -, e conservamos, por causa disso, o coração pouco disposto ao esvaziamento necessário. Continuamos nos agarrando a certos caprichos que, por mais sutis que sejam, objetivamente nos afastam da Cruz do Cristo e nos fazem abandoná-Lo. Falo do intenso subjetivismo que grassa, hoje, nos meios católicos. Deus se tornou o grande servo dos nossos caprichos e desejos; Ele é o gênio da lâmpada ou o instrumento garantidor das pretensões do nosso ego. Mesmo quando nos propomos a fazer sacrifícios, não raro ficamos somente atentos aos supostos méritos que estamos a adquirir ou submersos na contemplação da nossa própria - também muito suposta - bondade. No fim, somos somente ególatras, adoradores de nós mesmos, servos fiéis do nosso próprio umbigo. E este é um tipo de realidade que, se somente for percebida, já é algo pelo que se alegrar. A espiritualidade de massa moderna - algo como uma teologia do "deus, meu empregado", acompanhada de práticas ascéticas do tipo "vejam como eu sou gostoso" - somente tem produzido sujeitos egocentrados, pouco profundos e que sequer entendem medianamente o que seja esse negócio chamado cristianismo. Há toda uma falsaria, uma imitação tosca que, no entanto, foi abraçada e chamada de "catolicismo", não obstante não o seja. Este macaqueamento de religião termina por impedir o acesso à verdadeira mística, pois lhe rouba o nome ao mesmo tempo em que dela se distancia infinitamente.

Tendemos a nos colocar a nós mesmos como o centro do universo e, se da Cruz nos aproximamos, o fazemos com uma certa reserva que, porém, tentamos disfarçar, e ficamos preocupados em demonstrar - a Jesus e a nós mesmos - a profundidade da nossa devoção. Raras são as vezes em que nos esquecemos de nós, nos colocando realmente em segundo plano para n'Ele fitarmos o rosto sofrido e o coração abandonado. Estamos mais ocupados com a constatação da nossa humildade, com a afetação da nossa santidade e nossa dor, ao mesmo tempo em que pedimos, secreta e sutilmente, as graças d'Ele, pois isso é o que mais importa: sermos favorecidos de um jeito ou de outro. Às vezes não nos interessa de verdade que Ele esteja sofrendo, desde que Ele se lembre de nós e nos favoreça; parece-me que acreditamos discretamente ser os sujeitos mais importantes de toda essa conversa.

A santidade, dessa forma, se torna um modo de auto-promoção, e não de doação e renúncia. Estamos mais preocupados em parecer do que em ser. Não raro, enganamo-nos a nós próprios, evitando olhar o fundo da nossa alma e acusar as nossas más intenções. E tudo isto vai disfarçado de religião, o que torna o nosso egoísmo menos reconhecível e muito mais insidioso.

O que fazer, então? É preciso nos desprendermos; nos desapegarmos; nos esquecermos de nós mesmos. A Semana Santa é um tempo em que Jesus se sente só. Os nossos interesses mesquinhos, diante disso, não têm importância nenhuma; são como um nada, um ponto de poeira sem valor. Saibamos, pois, colocar o nosso coração n'Ele, que é o nosso verdadeiro tesouro, o nosso bem maior. Se assim o fizermos, estaremos preparados para vivenciar uma santa Semana Santa, unindo a nossa alma à alma do Cristo, participando das Suas dores para, então, participarmos da Sua ressurreição.

Gratuidade! Doação desinteressada! Que falta fazem estas coisas! E, no entanto, sem elas, não há verdadeira vida cristã.

Além destas sutilezas - e são sutis mesmo -, cumpre observarmos uma outra condição absolutamente essencial para vivenciarmos devidamente estes tempos sagrados: é preciso estarmos na Graça de Deus, isto é, que a nossa alma esteja isenta do Pecado Mortal. Para tal, é necessário que nos confessemos depois de um diligente exame de consciência onde serão analisados não somente os nossos atos, mas também os pensamentos, as palavras, as intenções e as omissões. Uma má intenção é capaz de estragar uma aparente boa ação, e se tivermos a coragem de olhar no fundo da nossa alma, perceberemos o tanto de orgulho e vaidade que acompanha os nossos atos mais corriqueiros. Sem a graça, portanto, nada conseguimos de significativo. É preciso que estejamos confessados.

Para vivenciarmos de perto estes Mistérios, convém ainda que nos acerquemos da Virgem Maria, pois a única possibilidade de termos uma fidelidade até a Cruz é se estivermos com Ela. Lembremos que Jesus tinha 12 Apóstolos. Dentre estes, havia três que estavam ainda mais intimamente com Ele: João, Tiago e Pedro. Destes três, somente João está no Calvário. E por quê? Porque tinha ao seu lado a Virgem Santíssima. Eis, então, um grande segredo: para termos uma grande intimidade com Jesus, é preciso que nos façamos companheiros da Sua Mãe e nos disponhamos, com ela, a esquecermos de nós mesmos, das nossas vontades, dos nossos modismos, para nos determos plenamente no Mistério da Cruz. É desse modo que seremos transfigurados, isto é, seremos transformados n'Ele, o que significa que teremos encontrado a nossa verdadeira identidade, o nosso mais profundo eu, que andava adormecido sob a densa capa do nosso egoísmo.

Que a Virgem Puríssima nos fortaleça, nos tome pela mão e nos conduza à contemplação correta destes divinos Mistérios. Que o bom Deus de nós se compadeça e nos aceite na Sua intimidade. Que a Santíssima Cruz do Senhor seja também o nosso conforto e a nossa glória nestes dias. E que, desse modo, se atice de vez o fogo do amor divino no centro da nossa alma, com tal força e violência que as chispas que dela se desprendam sejam capazes de iluminar e aquecer tudo quanto conosco entrar em contato. Eis o grande sonho do coração divino: "Eu vim lançar fogo à terra e que mais quero senão que arda?"

Então, basicamente são três as coisas necessárias: Estarmos em Graça, estarmos com a Virgem Maria e estarmos esvaziados. Deste modo, compreenderemos e amaremos a Cruz e conheceremos a intimidade do Cristo. Que assim seja!

Fábio.
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2 comentários:

  1. Meu irmão!! Muito bom!!Seia muito que que todos os cristãos compreendesse o que você falou nesse texto. Continue assim, que nosso criador nós conduza a Cruz de Cristo!abraços

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