Um autor tão moderno como James Joyce, cuja obra principal foi chamada - não sem razão - "missa negra", considerou durante toda a sua vida o ato sexual como algo vergonhoso. Um fato inesperado, mas que só à primeira vista surpreende.
Um significativo contraponto desse fato é que, por um lado, nenhum dos grandes teólogos católicos jamais falou tão negativamente da sexualidade; como também, por outro lado, afirmaram que justamente por ser o sexo uma força natural fundamental do homem, proveniente do ato criador de Deus, uma força necessária e boa, deve também ser controlada pelo homem de modo especial.
E o sentido da quarta virtude cardeal, da Temperantia, é precisamente a realização da ordem interna da pessoa.
Mas tudo isto ainda está formulado de maneira excessivamente inofensiva: ainda nem se manifestou o caráter extra-ordinário, ou melhor, até misterioso da virtude da Temperança: trata-se na verdade de que justamente as forças do ser do homem orientadas por natureza para a autoconservação, aperfeiçoamento e realização, são aquelas mesmas forças que podem também desnaturar-se para a autodestruição. Todas elas e, talvez, somente elas.
A sexualidade é apenas uma dessas forças e é dela que menos se precisa falar especificamente, na medida em que o cristão entenda que a castidade não visa à repressão da força sexual mas a defender-se da autodestruidora perversão dessa força. Como também, naturalmente, nem o prazer nem a reta afirmação de si parecem condenáveis ao cristão; mas - tema também da Temperança - encontrar uma compreensível fundamentação antropológico-ética para o jejum e a abstinência como também para a virtude da humildade, já parece mais difícil.
Pior ainda é que províncias inteiras do reino da força fundamental chamada Temperança se tornaram quase sem nome, no pensamento contemporâneo.
Como expressar, por exemplo, a força da ira, a capacidade de irar-se, que, nos ensinamentos vitais da grande tradição cristã, pertence também aos impulsos fundamentais imprescindíveis do ser humano, e que foi considerada sua real capacidade de resistência? Sem a força para a ira - é o que se diz no pensamento cristão - o homem permaneceria passivo e inerte diante das injustiças que acontecem no dia-a-dia. Mas, ao mesmo tempo, essa mesma força pode, se não é controlada, destruir totalmente a convivência - por exemplo, sob as formas por todos conhecidas, de irreconciliabilidade e amargor, que envenenam o clima de relacionamento com os outros, sobretudo se espicaçadas ideologicamente.
É triste encontrar o reto controle sobre a força da ira, a virtude cristã da mansidão, equivocamente confundida com essa pálida incapacidade para a ira que, como todos sabem, navega sob essa mesma bandeira. Na verdade, "mansidão" no sentido original significa aquela força interior (atualmente incapaz de ser denominada com uma palavra com vida, frescor e vigor) da qual a Escritura diz que é por ela que o homem guarda sua alma (Ecle 10,31)
O mais surpreendente, entretanto - e é algo simplesmente inacreditável - parece-me ser o fato de que uma determinada força fundamental do homem - da qual os Antigos, com justeza, tratam exaustivamente - seja simplesmente silenciada e omitida no pensamento cristão atual sobre a Temperança. E isto, apesar de essa força dizer respeito, mais do que nunca, precisamente à vida dos nossos dias. Refiro-me à ânsia, à concupiscência de ver.
Poder-se-ia, nesse caso, como o fazem os grandes Mestres, antes de mais nada, falar do caso geral de concupiscência do saber; e não é pouco o que haveria aí para dizer. Naturalmente não falaríamos, como os Antigos, dentre as formas de perversão do desejo de saber, de "Magia"; mas a pergunta sobre se não estamos dispostos a pôr em jogo o bem e a integridade da Humanidade pela resolução de um problema científico - ou se até já não o estamos fazendo - bem que pode ser atual.
Mas, permaneçamos no desejo de ver com os próprios olhos, em sentido literal. E isso realmente constitui um dos mais fortes impulsos do homem: "Preferimos o ver a qualquer outra coisa" - é o que se lê já no primeiro capítulo da Metafísica de Aristóteles. Para mostrar até que ponto isso é verdade, não nos custaria muitas palavras; e também não as precisaríamos gastar para evidenciar que a autonomia da vida intelectual se baseia - em boa medida - justamente em assegurar-se da verdade por "ver com os próprios olhos".
Mas, também aqui, claramente vale a complementação: que esta força fundamental necessita de maneira especial de controle, porquanto ela pode, como quase nenhuma outra, degenerar autodestruidoramente. E aqui acontece literalmente que não dispomos de nome nem para a virtude nem para o vício.
Pois se encontramos o descontrole do desejo de ver, nos Antigos, sob o nome de "curiosidade" (curiositas), pensamos antes na perdoável fraqueza da vizinha do que no verdadeiro e profundo mal que a "concupiscência dos olhos", este "ver por ver", pode causar na existência humana. E, quanto ao vocábulo tradicional para o controle do querer ver, studiositas, simplesmente não significa mais nada.
Martin Heidegger designou por "curiosidade" (Neugier) aquilo que realmente queriam dizer os Antigos com curiositas: o que interessa à curiosidade não é a captação da realidade, mas a "possibilidade de abandonar-se ao mundo".
Penso que deveria ser possível mostrar claramente ao contemporâneo crítico da "geração da TV" o perigo - que tão profundamente atinge a existência - e de que estamos aqui tratando: o de perder, no meio do barulho ensurdecedor, ótico e acústico, de vazias baboseiras, a capacidade original de captar a realidade. O controle do "desejo de ver", tão vital hoje como antigamente, poderia alcançar um valor quase salvador na medida em que, por uma ascese do conhecimento, conservássemos aquilo que desde sempre perfaz uma existência humana plena de sentido: ver a realidade criada por Deus tal como ela é, e viver e agir da verdade assim apreendida.
Josef Pieper In: LAUAND, Jean. Linguagem e Ética; Ensaios. Curitiba: Editora Universitária Champagnat, 1989.
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