Desde que o ato de fé é o primeiro passo para a contemplação e para a visão beatífica, é extremamente importante a exata noção do que é realmente a fé. A fé é uma virtude sobrenatural, cuja função é capacitar a inteligência a dar firme e completo assentimento a verdades reveladas por Deus, não à força da clara evidência intrínseca das suas proposições sobre Deus, mas pela autoridade do próprio Deus que nos revela o que efetivamente não vemos.
Esse assentimento intelectual é feito por um livre ato da vontade iluminada e guiada pela graça e precedida de um julgamento racional da credibilidade, que não é, porém, o motivo interno da fé. A Igreja tem constantemente defendido o caráter intelectual do ato de fé. Seria um grave erro de doutrina sustentar que a fé é um "cego movimento da vontade". A Igreja, todavia, defende também o caráter essencialmente obscuro da fé. Ela não é e não pode ser assentimento dado à intrínseca evidência. Ela é essencialmente o "argumento de coisas que não aparecem". Cremos o que não vemos e por isto o ato de fé deixa de ser puramente intelectual: é elicitado sob o impulso da vontade.
Assim a Igreja defende o caráter essencialmente sobrenatural da fé. É um dom de Deus. É produzida sob a inspiração da graça, que age diretamente sobre as potências da alma, movidas, por assim dizer, pelo "dedo de Deus". Em cada ato de fé, o Espírito Santo toma a nossa vontade, que se afastara de Deus pelo pecado e "corrige" o seu objeto, enquanto, ao mesmo tempo ilumina a inteligência, e assim nós cremos (1).
Finalmente, qual é o objeto da fé? Deus mesmo. A fé termina em Deus, nesse sentido que cada artigo da verdade revelada acaba em Deus ou a Ele se refere, e também enquanto é por submissão à autoridade de Deus que a nossa mente aceita o que cremos.
Com este breve esboço do essencial da fé, podemos compreender o peso teológico da afirmação que faz S. João da Cruz, que "a fé, e só ela, é o meio próximo e proporcional pelo qual a alma é unida a Deus"(2). E em outro lugar: "esse conhecimento obscuro e amoroso, que é a fé, serve como um meio à união divina nesta vida, assim como, na outra, a luz da glória serve de intermediário à clara visão de Deus"(3).
S. João apenas repete a famosa expressão em que S. Tomás chama a fé início da vida eterna, quaedam inchoatio vitae aeternae. É a doutrina da Igreja no Catecismo do Concílio de Trento, onde lemos:
"A fé aguça tanto o poder da inteligência humana, que esta pode penetrar nos céus sem esforço e, banhada com a luz de Deus, se torna capaz de atingir em primeiro lugar a Fonte da Luz e, depois, todas as coisas abaixo de Deus... de tal modo que experimentamos com grande exultação a verdade de que fomos chamados das trevas à sua admirável luz, e nos alegramos com imenso alvoroço".
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1- Cf.: Definições do Concílio de Orange, Denz, 178-180.
2- Subida, Livro II, n. 9.
3- Subida, Livro II, n. 24.
Thomas Merton, Ascensão Para a Verdade, Cap. XV, pp. 184-185
Vi-me no último mês agarrada à fé que professo. Levei um tapa na cara!Eu que tantas vezes fui racional demais, como diz Sto. Agostinho "Crer para compreender", como vivi o contrário.No mistério da fé a ciência não pode entrar.
ResponderExcluirEliana
Como diz Papai João da Cruz: "A Fé quanto mais ilumina, mais cega e quanto mais cega, mais ilumina", assim como o amor que "quanto mais cura, mais fere e quanto mais fere, mais cura".
ResponderExcluirAbraço, menina.