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Os dois elementos da Fé: a Proposição Conceitual e a Luz Infusa


Thomas Merton

O homem foi feito para conhecer a verdade, e a sua salvação consiste em amar a mais elevada Verdade, que não pode ser amada sem ser primeiro conhecida. Mas só há uma espécie de conhecimento que efetivamente confere ao homem a luz necessário a este fim sobrenatural. É o que lhe vem na obscuridade da fé.

Disse o profeta, "a menos que creiais, não entendereis". Só a fé nos pode dar a inteligência nos mistérios de Deus. Mas a fé tem algo a mais. "Sem fé, diz S. Paulo, é impossível agradar a Deus".

Que significa agradar a Deus? Deus agrada-se da alma que encontra cheia da sua realidade, seu amor, sua verdade. Misteriosamente, é conhecendo-O, que agradamos a Deus, pois só podemos conhecer, recebendo no coração a sua luz. A fé, portanto, não só é capaz de penetrar na íntima substância da Verdade de Deus, mas significa um conhecimento redentor. Ela nos "salva". Sua luz é mais do que um raio de especulação: confere a vida, transformando, com a luz e a paz, o ser inteiro do homem, que se torna nova criatura, nasce de novo.

Que vida nova é essa? É a presença substancial de Deus. É antes, uma nova presença de Deus que por seu poder, presença e essência, conserva todas as coisas no ser. Esta nova presença é espiritual. Que significa isso? Já a descrevemos. Deus é presente em sua luz, em seu amor. Pela fé, esperança e caridade, Deus torna-se objeto de uma experiência potencial nas profundezas da alma, já que pela graça Ele confere às faculdades o poder e o desejo de possuí-Lo na íntima consciência de nossa união com Ele por amor. Revela-se o interior da alma como objeto de sua mais profunda espera, e promete, por uma presença obscura, a sua clara visão. Suas promessas nos fazem desejar esta visão. E pelo desejo, abraçamos desde já a visão, embora permaneça ela obscura.

Numa palavra, a fé nos dá mais do que luz, mais do que vida, porque a "luz" que ela nos dá é Deus mesmo e a Vida que nos confere é o próprio ser de Deus, que criou toda vida soprando sobre os abismos, e que se torna o princípio da nossa existência sobrenatural.

Ora, nada disto flui pura e simplesmente do conteúdo conceitual da fé. É coisa que vem diretamente de Deus.

Que conclusão tiramos? Em cada ato de fé, há dois elementos em ação. Primeiro, a fórmula, o complexo conceitual que contém a verdade a que assentimos e que se apresenta à nossa mente como qualquer outro conhecimento intencional: na forma de um juízo. Mas ele não ilumina a mente da mesma forma que o conhecimento ordinário. No plano natural, um juízo conceitual ilumina a mente pela clara evidência que ele contém. No ato de fé, o conteúdo conceitual das proposições não lança por si mesmo nenhuma luz sobre o entendimento. A diferença entre a crença e a descrença não é medida pelo nosso poder de apreender o sentido dos artigos de fé. Um homem pode adquirir grande conhecimento técnico da teologia da Trindade sem crer na Trindade. Um outro sem nenhuma visão dos problemas dogmáticos envolvidos no mistério, pode acreditar nele. Este é aquele a quem Deus "salvou", e que pode ser elevado à contemplação. Assim, pois, em cada ato de fé há um segundo elemento, que é o mais importante: uma luz objetiva e sobrenatural a penetrar nas profundezas da alma e a comunicar-lhe o conteúdo real da verdade que não pode ser plenamente apreendido nos termos da proposição a crer.

Cada um dos dois elementos é absolutamente necessário ao ato de fé viva, porque há uma íntima relação entre eles. Se os artigos de fé fossem meramente uma ocasião para a infusão da luz sobrenatural, então não importaria o que Deus nos propõe a crer. Qualquer conceito serviria por igual. Mas isto significaria que o conteúdo intencional do nosso credo seria sem valor nem sentido. Bastaria ser sincero, e Deus infundiria a luz que o faria conhecido sem nenhuma relação com um corpo de verdades reveladas, de nulo valor objetivo.

A relação entre o conteúdo conceitual da fé, e a luz infusa pela qual Deus nos dá a sua verdade, está no seguinte: a verdade acha-se realmente contida, sob uma forma oculta, nos próprios artigos da fé. E é pela luz da fé que achamos a verdade nesses artigos.

Isso vale para todas as proposições de S. João da Cruz sobre o poder da fé: que ela é o único caminho para a união com Deus, que ela é essencialmente obscura e "esconde" a Deus, mas é ao mesmo tempo pura verdade, perfeita em sua certeza, e nos traz Deus como sob um manto de nuvem.

S. Tomás também aceita a nossa distinção, quando diz que a fé consiste principalmente numa luz infusa, mas que recebe dos vários artigos propostos à nossa crença a determinação a uma verdade particular.

Thomas Merton, Ascensão para a Verdade.
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