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A Virgem Santíssima e o despertar divino na alma


Bom, termino com esta as citações deste grande livro que acabo de ler, entitulado Ascensão para a Verdade, de autoria do monge trapista Thomas Merton - um dos meus escritores favoritos, digam o que disserem - e que consiste num profundo estudo da mística sanjuanista (referente a S. João da Cruz). Neste último post que faço deste livro, o autor passa a falar da Virgem Santíssima como modelo dos contemplativos e termina fazendo uma transcrição de S. João da Cruz sobre o "despertar de Deus" na alma que caracteriza um dos estados mais altos da vida mística. Depois, farei mais alguns comentários sobre este e outros livros que tratam do Doutor da Noite, bem como do próprio santo, a quem tenho por pai. Boa leitura.

***

Thomas Merton

A Bem-aventurada Virgem Maria foi o mais sábio teólogo. Ela é a Mãe do Verbo que é ao mesmo tempo a teologia de Deus e dos homens. A verdade de Deus entrou tão profundamente em sua vida, que se tornou encarnada em seu seio virginal. Toda a Sabedoria se concentrou em seu Coração Imaculado, sedes Sapientias. Quando o Anjo a visitou na Anunciação, encontrou-a no mais profundo silêncio. Poucas são as palavras recordadas daquela que nos deu o Verbo. E quando ela O deu ao mundo, que poderia fazer ela mesma senão escutá-Lo? "Guardava todas essas palavras conservando-as em seu coração".

E assim Nossa Senhora é o modelo dos contemplativos e o espelho dos místicos. Os que amam a pura Verdade de Deus, instintivamente amam a simplicidade da Imaculada Mãe de Deus. Ela os atrai ao interior do seu silêncio e de sua humildade. Ela é a Virgem da Solidão, que Deus chamou sua eremita: una est columba mea in foraminibus petrae. Ela escondeu-se nas cavernas da pedra, de que nos falava S. João da Cruz, e viveu como um eremita nos sublimes mistérios do seu Filho. Ela viveu todo o tempo no céu, embora andasse sobre a terra, varrendo o assoalho, fazendo cama e cozinhando para os carpinteiros. Que é que acontecia em sua alma inimaginavelmente pura, no espelho sem mancha do seu ser, que Deus fizera para receber a sua perfeita semelhança?

Quando o Anjo falou, Deus acordou no coração dessa moça de Nazaré, e movimentou-se dentro dela como um gigante. Ele mexeu-se e abriu os olhos e viu que ela, ao contê-lo, continha todo o universo também. A anunciação foi tanto uma visão como um terremoto em que Deus moveu o universo e deslocou as esferas, e o princípio e o fim de todas as coisas apareceu aos olhos da Virgem, no mais profundo do coração. E muito abaixo do movimento deste silencioso cataclisma, ela adormeceu na infinita tranquilidade de Deus, e Deus foi uma criança encolhida que dormia em seu seio, enquanto nas suas veias circulava a Sabedoria dessa criança, que é noite, que é luz das estrelas, que é silêncio. E todo o seu ser foi abraçado por Aquele que ela abraçava, e os dois tornaram-se silêncio.

A missão de Nossa Senhora no mundo é formar este seu Cristo, este Gigante, nas almas dos homens, como Ele mesmo se formou na sua. Ela traz-lhes a graça do Cristo, que é a graça da sua presença vivificante. Ele nasce em cada homem pelo batismo, mas nós não o sabemos. Ele cobre a alma com a sua sombra, quando ela O prova na paz da contemplação. Mas isto não basta. No cume da vida mística, Deus deve mexer-se e revela-se, sacode o mundo dentro das almas e surge do seu sono como um gigante.

É isto que nos fala S. João da Cruz na Chama Viva do Amor. É a minha última citação.

"Este despertar é um movimento do próprio Verbo na substância da alma, de tanta grandeza e domínio e glória, e de tão íntima suavidade, que lhe parece que todos os bálsamos e espécies odoríficas e flores do mundo se misturam e agitam, revolvendo-se para dar suavidade, e que todos os reinos e dominação do mundo, e todas as potestades e virtudes do céu se movem. E não só isto, mas também as virtudes e substâncias e perfeições e graças de todas as coisas criadas reluzem e se põem, por sua vez, em movimento uníssono e simultâneo... Donde vem que, movendo-se na alma, este altíssimo Imperador, cujo Reino, como diz Isaías, Ele traz nos seus ombros... então tudo parece mover-se juntamente... Mesmo assim, quando um Palácio é aberto, pode-se ver a um só tempo a eminência da Pessoa que está dentro e o que ela está fazendo... Estando a alma substancialmente em Deus, como toda criatura, Ele tira diante dela alguns dos muitos véus e cortinas que ela tem anteposto, para poder vê-Lo como Ele é, e, assim, se lhe revela, e ela é capaz de ver (embora obscuramente, porque não se tiram todos os véus), esta Face cheia de graça. Como Ele move todas as coisas com a sua virtude, aparece juntamente com Ele aquilo que Ele está fazendo, e Ele parece mover-se nelas e elas n'Ele em movimento contínuo. E é por isto que a alma crê que Deus se moveu e acordou, sendo ela, na realidade, que foi movida e acordada."

Thomas Merton, Sementes de Contemplação
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