Srs. Cláudio Heckert e Ironi Spuldaro, vou orar em línguas: Shut Up! |
S. João da Cruz, Doutor da Igreja, Místico
Declara-se por que não é lícito, sob a lei da graça, interrogar a Deus por via sobrenatural, como o era na lei antiga. Prova-se com uma citação de S. Paulo.
No capítulo anterior dissemos como não é vontade de Deus que as almas queiram receber por via sobrenatural graças extraordinárias de visões, palavras interiores, etc. Por outra parte vimos nesse mesmo capítulo, e o provamos com testemunhos da Sagrada Escritura, como na antiga lei este modo de tratar com Deus era usado e lícito; e não somente era lícito, mas ainda o próprio Deus o mandava, repreendendo o povo escolhido quando o não fazia. Em Isaías, podemos observar como Deus admoestou os filhos de Israel porque desejavam descer ao Egito sem primeiramente consultar o Senhor: "E não tendes consultado o meu oráculo" (Is 30,2)
Também lemos em Josué que, sendo enganados os mesmos filhos de Israel pelos gabaonitas, censurou-os o Espírito Santo nestes termos: "Tomaram os israelitas dos seus víveres, e não consultaram o oráculo do Senhor" (Js 9,14). Igualmente vemos, na Sagrada Escritura, que Moisés sempre consultava o Senhor, e o mesmo fazia o rei Davi, e todos os outros reis de Israel em suas guerras e necessidades, bem como os sacerdotes e antigos profetas. Deus lhes respondia falando-lhes sem se desgostar. Assim era conveniente e se eles não interrogassem seria mal feito. Qual o motivo, pois, de não ser agora, na nova Lei da graça, como era antigamente?
Respondo: se essas perguntas feitas a Deus eram lícitas na antiga Lei, e se convinha aos profetas e sacerdotes desejarem visões e revelações divinas, a causa principal era não estarem bem assentados os fundamentos da fé, nem estabelecida a Lei evangélica. Assim era mister interrogar a Deus e receber as suas respostas, fosse verbalmente, ou por meio de visões ou revelações, fosse em figuras ou símbolos, ou, afinal, por sinais de qualquer outra espécie. Porque todas essas palavras e revelações divinas eram mistérios da nossa fé, referentes ou relacionadas a ela. Ora, não sendo as realidades da fé próprias da criatura humana, mas de Deus, reveladas por sua própria boca, era necessário que os homens fossem conhecê-las em sua mesma fonte. Eis porque o Senhor os repreendia quando não o consultavam; e com as suas respostas os encaminhava, através dos acontecimentos e sucessos, para a fé, por eles ainda desconhecida por não estar ainda fundada. Agora, já estabelecida a fé em Cristo, e a Lei evangélica promulgada na era da graça, não há mais razão para perguntar daquele modo nem aguardar as respostas e os oráculos de Deus, como antigamente. Porque em dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra única (e outra não há), tudo nos falou de uma vez nessa Palavra, e nada mais tem para falar.
Este é o sentido do texto em que S. Paulo quer induzir os hebreus a se apartarem daqueles primitivos modos de tratar com Deus conforme a lei de Moisés, e os convida a fixar os olhos unicamente em Cristo, dizendo: "Tudo quanto falou Deus antigamente pelos profetas a nossos pais, de muitas formas e maneiras, agora, por último, em nossos dias, nos falou em seu Filho, tudo de uma vez" (Hb 1,1). O Apóstolo dá-nos a entender que Deus emudeceu por assim dizer, e nada mais tem para falar, pois o que antes falava por partes aos profetas, agora nos revelou inteiramente, dando-nos o Tudo que é seu Filho.
Se atualmente, portanto, alguém quisesse interrogar a Deus, pedindo-lhe alguma visão ou revelação, não só cairia numa insensatez, mas agravaria muito a Deus em não pôr os olhos totalmente em Cristo sem querer outra coisa ou novidade alguma. Deus poderia responder-lhe deste modo dizendo: "Se eu te falei já todas as coisas em minha Palavra, que é meu Filho, e não tenho outra palavra a revelar ou responder que seja mais do que ele, põe os olhos só nele; porque nele disse e revelei tudo, e nele acharás ainda mais do que pedes e desejas. Porque pedes palavras e revelações parciais; se olhares o meu Filho acharás nele a plenitude; pois ele é toda a minha palavra e resposta, toda a minha visão, e toda a minha revelação. Ao dar-vo-lo como irmão, mestre, companheiro, preço e recompensa, já respondi a todas as perguntas e tudo disse, revelei e manifestei. Quando no Tabor desci com meu espírito sobre ele dizendo: "Este é meu Filho amado em quem pus todas as minhas complacências, ouvi-o" (Mt 17,5), desde então aboli todas as antigas maneiras de ensinamentos e respostas, entregando tudo nas suas mãos. Procurai, portanto, ouvi-lo; porque não tenho mais outra fé para revelar, e nada mais a manifestar. Se antes falava, era para prometer o meu Cristo; se os meus servos me interrogavam, eram as suas perguntas relacionadas com a esperança de Cristo, no qual haviam de achar todo o bem (como o demonstra toda a doutrina dos evangelhos e dos apóstolos). Mas interrogar-me agora e querer receber minhas respostas como no Antigo Testamento, seria de algum modo pedir novamente Cristo e mais fé; tal pedido mostraria, portanto, falta desta mesma fé já dada em Cristo. E assim seria grande agravo a meu amado Filho, pois, além da falta de fé, seria obrigá-lo a encarnar-se novamente, vivendo e morrendo outra vez na terra. Não acharás, de minha parte, o que pedir-me nem desejar, quanto a revelações ou visões; considera-o bem e acharás nele, já feito e concedido tudo isto e muito mais ainda.
Queres alguma palavra de consolação? Olha meu Filho, submisso a mim, tão humilhado e aflito por meu amor, e verás quantas palavras te responde. Queres saber algumas coisas ou acontecimentos ocultos? Põe os olhos só em Cristo e acharás mistérios ocultíssimos e tesouros de sabedoria e grandezas divinas nele encerrados, segundo o testemunho do Apóstolo: "Nele estão encerrados os tesouros da sabedoria e da ciência" (Cl 2,3). Esses tesouros da sabedoria ser-te-ão muito mais admiráveis, saborosos e úteis que tudo quanto desejarias conhecer. Assim glorificava-se o mesmo Apóstolo quando dizia: Porque julguei não saber coisa alguma entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado (1Cor 2,2). Enfim, se for de teu desejo ter outras visões ou revelações divinas, ou corporais, contempla meu Filho humano e acharás mais do que pensas, conforme disse também S. Paulo: "Porque nele habita toda a plenitude da divindade corporalmente" (Cl 2,9).
Não convém, pois, interrogar a Deus por via sobrenatural, nem é necessário falar-nos desse modo; tendo manifestado toda a fé em Cristo, não há mais fé a revelar nem jamais haverá. Querer receber conhecimentos por via extraordinária é, conforme dissemos, notar falta em Deus, achando não nos ter dado bastante em seu Filho. Mesmo quando se deseja essa via sobrenatural dentro da fé, não deixa de ser curiosidade proveniente de fé diminuta. Assim não havemos de querer nem buscar doutrina ou outra coisa qualquer por meio extraordinário. Quando Jesus expirando na cruz exclamou: "Tudo está consumado" (Jo 19,30), quis dizer terem-se acabado todos esses meios, e também todas as cerimônias e ritos da Lei antiga. Guiemo-nos, pois, agora pela doutrina de Cristo-homem, de sua Igreja e seus Ministros, e por este caminho, humano e visível, encontraremos remédios para nossas ignorâncias e fraquezas espirituais, pois para todas as necessidades aí se acha abundante remédio. Sair desse caminho não só é curiosidade, mas muita audácia; não havemos de crer, por via sobrenatural, senão unicamente o que nos é ensinado por Cristo, Deus e homem, e seus ministros, homens também. É isto o que nos diz S. Paulo nestas palavras: se algum anjo do céu vos ensinar outra coisa fora do que nós, homens, vos pregamos, seja maldito e excomungado (Gl 1,8).
S. João da Cruz, Subida ao Monte Carmelo, Livro II, Cap. XXII
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