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As formas de falsa mística

Sem noção.. kkk

Thomas Merton

Em abstrato, a falsa mística pode apresentar duas formas características. Ambas colocam a experiência mística numa relação incorreta com a Verdade revelada. Uma dessas definições incorretas afirma que o místico dispensa qualquer conhecimento conceitual de Deus. Para entrar na "união contemplativa" com Deus, o "homem espiritual" deve cessar toda atividade espiritual, esvaziando a alma de qualquer pensamento e afeto. Feito o vácuo, a alma torna-se automaticamente impregnada de contemplação "adquirida", e assim "conhece" a Deus, sem qualquer experiência do fato do conhecimento. Como isso passa por ser a verdadeira contemplação, considera-se o conhecimento teológico de Deus como um obstáculo à contemplação. Um teólogo estaria mal equipado para tornar-se místico, ao passo que um ignorante seria naturalmente mais preparado para a contemplação. Esses são os erros do Quietismo, condenados pela Igreja no século XVII. (...) Mas esse erro nos interessa por ser o que mais se parece, em alguns aspectos superficiais, com a doutrina de S. João da Cruz.

O erro quietista consiste na rejeição expressa da teologia, na depreciação da Revelação, no desprezo completo da oração formal e da meditação, e na teoria que admite uma contemplação sobrenatural "adquirida" pela simples cessação da atividade mental. São erros erros que tornam impossível a verdadeira contemplação.

A segunda forma de falso misticismo é mais encontradiça. Sua ambição é chegar a um especial conhecimento sobrenatural através de meios diferentes dos normais. É uma pretensão muito lisongeira à natureza humana. O homem decaído gosta de elevar-se acima dos seus semelhantes. A mais comum ilusão de certas almas é imaginar que ouvem vozes celestes, têm visões, caem em êxtases e arrebatamentos, quando na verdade são elas mesmas que fabricam na imaginação tais experiências. Não se deve, é verdade, deixar de reconhecer que podem vir de Deus essas experiências extraordinárias. Mas o que é importante lembrar é que, mesmo quando sobrenaturais, elas não constituem a essência da mística

A contemplação mística em sentido estrito é uma experiência de Deus diretamente consumada na ordem da fé, sob a inspiração da graça, sem o intermediário de qualquer coisa sobrenaturalmente vista, ouvida, ou "entendida". Na contemplação mística, Deus é conhecido da alma sem a mediação de qualquer espécie de imagem, seja da mente seja dos sentidos. Todas as visões e locuções são, pois, em certo sentido, opostos à verdadeira contemplação, ao menos enquanto diminuem a sua pureza e perfeição.

Segundo a linguagem dos teólogos apofáticos, na tradição de S. Gregório de Nissa e do Pseudo-Dionísio, se alguém teve uma visão em que pensa ter visto Deus claramente, pode estar certo de que não viu Deus. S. João da Cruz dedica uma boa parte da Subida a provar a tese de que não se deve procurar nem aceitar experiências que nos pretendam comunicar um preciso conhecimento sobrenatural da divindade, pois nenhuma criatura pode trazer-nos a plena realidade de Deus como Ele é em si mesmo.

(...) Como no caso de visões, locuções e outras experiências "distintas" do sobrenatural, não é tão clara a divisão entre a verdade e o erro, S. João da Cruz aconselha ao contemplativo uma grande reserva diante delas. Devem ser indiferentemente recusadas.

É significativo que nesse assunto o maior dos teólogos místicos seja muito mais cauteloso do que outras autoridades. Concordam em geral os teólogos católicos em proibir à alma contemplativa a busca de visões, locuções e outras experiências do gênero. Estão também de acordo em encorajar as almas avançadas e bem dispostas a querer a verdadeira contemplação e união mística, compreendida como união com Deus na perfeita caridade. Muitos teólogos são, no entanto, mais tolerantes do que S. João da Cruz, permitindo a aceitação das visões ou locuções, que ocorrerem.

(...) A falsa mística prolifera onde existe um desordenado apetite por experiências desse gênero. Não é falsa mística ter visões. O que é falso é fazer a mística essencialmente consistir em visões. É também falsa mística atribuir a tais manifestações uma importância maior do que às verdades reveladas por Deus à Igreja, e que são objeto da fé teologal. É certamente falso misticismo seguir um caminho que leva a experiências espetaculares, em vez de tender à obscura união com Deus. A perfeição espiritual não consiste em tais experiências, como se não fosse possível ser santo sem elas.

Em suma, as considerações que fizemos sobre o falso misticismo nos mostram que ele não só desconhece o papel do conhecimento e do amor na contemplação, mas também ignora a própria essência desta. Ou rejeita todo conhecimento de Deus, ou aspira a um "maravilhoso" conhecimento que exorbita da fé e não constitui, em verdade, um conhecimento de Deus. A contemplação lhe parece ora um amor sem conhecimento, ora um conhecimento sem amor. O resultado desse falso misticismo é desviar-nos do verdadeiro fim, para procurar, em vez da dádiva do nosso ser a Deus, o gozo de experiências exaltantes.

(...) um dos [sinais] mais proeminentes [da falsa mística] será a rejeição contumaz da razão, da filosofia, da verdade teológica, e da autoridade dogmática da Igreja ensinante.

Thomas Merton, Ascensão para a Verdade.
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