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CF 2011 X Quaresma


A Campanha da Fraternidade deste ano, mais uma vez estrategicamente posta em simultâneo com a Quaresma pela sempre tão conveniente CNBB, traz o tema: "Fraternidade e Vida do Planeta"; e o lema: "a criação geme em dores de parto".

Acredito que basta ir a uma Via Sacra onde se sigam as indicações da cartilhazinha organizada pela CNBB para perceber que ali algo não vai bem. E quero, com esta postagem, falar um pouco sobre esta campanha - bem ou má intencionada - de avacalhação de uma quaresma verdadeiramente católica.

Primeiramente, para compreender o que é a quaresma, nós temos que adentrar em todo o mistério da humanidade decaída e, depois, redimida pela Cruz do Senhor. Nós vivemos um paradoxo: ao mesmo tempo em que gozamos dos efeitos da redenção operada por Cristo no Calvário, ainda mantemos em nós aquelas inclinações às formas variadas de egoísmo e que são, segundo uma expressão comum, a cicatriz do pecado original. Temos, pela Graça, a vida eterna começada, mas, conforme nos diz S. Paulo, guardamos este tesouro em vasos de barro. Para que ele não se perca, é preciso vigiar e combater os inimigos que nos tentam arrebatar esse bem. A Igreja nos ensina que são três os inimigos contra os quais devemos pugnar: o demônio, o mundo e nós mesmos.

A ida ao deserto, que é o que fazemos misticamente na Quaresma, visa retirar de nós os excessos, estes excedentes que nos distraem da nossa meta. É um lugar de combate em que, auxiliados pela graça, aprendemos a manejar a arma da cruz e estreitamos os nossos laços com Deus. Este combate se fará pela oração, pela ascese (jejum, abstinência e mortificações) e pela caridade com os irmãos, com particular ênfase na prática da esmola.

A quaresma, então, é o tempo da Igreja em que, despojados de tudo quanto nos possa distrair, voltamos os nossos olhos ao Cristo, unimo-nos aos Seus sofrimentos e passamos, misticamente, pela Sua morte para participarmos, igualmente, da alegria da Sua ressurreição na Páscoa. A Igreja, como mestra, nos orienta sobre os passos que devemos dar para lograr êxito nesta santa empresa. Este ano, particularmente, Sua Santidade frisa a importância das promessas batismais e pede que a quaresma seja, para nós, um tempo de reafirmá-las e de buscar uma coerência de vida ainda maior com estas promessas.

No Brasil, no entanto, por causa da CF, fala-se muito pouco e muito genericamente do real sentido da quaresma. As vias sacras, que deveriam ser profundas meditações dos mistérios da Paixão, instrumentalizam estes mistérios para servirem de analogias às questões ecológicas. A ambiguidade das orações e das jaculatórias é gritante. Mal se fala da penitência e do jejum. Aliás, este último, quando mencionado, perde a sua dimensão pessoal e se converte em estratégia de fazer sobrar comida no intuito de partilhá-la com os indigentes. Não que isto não seja importante; claro que é, é fundamental. Mas o jejum não tem uma dimensão somente social. O que parece é que, por trás de tudo, permanece aquela perniciosa ideologia que, à força da ambiguidade, vai se perpetuando*.

E, nestes comentários e preces, sempre há uma identificação muito fácil dos poderosos e dos ricos com a causa do mal. São vistos como a personificação do demônio, o que é, no mínimo, muito precipitado. Mesmo os termos usados nas orações e petições já denunciam a ideologia esquerdista. As lentes de interpretação do mundo são de antemão viciadas. A coisa parece evidente, e, no entanto, prossegue sem fim.

Não fosse já um mal distrair a atenção dos católicos dos assuntos espirituais para uma ecologia de matiz comunista, a CF prossegue promovendo inúmeros erros teológicos, além de passar como verdade uma teoria que já foi repetidas vezes provada ser falsa: a do aquecimento global.

O planeta terra é tomado como a obra prima da criação, o que é falso! A obra prima é o ser humano, constituído, inclusive, senhor da criação. Se há excessos na relação do homem com o mundo, é outra história. Isto, porém, não é suficiente para alterar a ordem das coisas.

Depois, a corrupção do mundo é vista sob um aspecto naturalista, como se a causa fosse a exploração humana da natureza, quando, na verdade, sabemos que tudo é consequência do pecado, do mistério da iniquidade que adentrou no mundo e o pôs sob o império do maligno (1Jo 5,19). E, se há já um equívoco sobre a gênese e a natureza deste sofrimento da criação, a coisa piora quando percebemos que, por estas campanhas ecológicas, a esperança de redenção é posta no próprio agir do homem. No fundo, a coisa se assemelha a uma espécie de ateísmo prático. Deus seria somente o conscientizador, o orientador. Mas caberia ao homem a efetivação desta libertação, entendida como cessação da exploração ambiental.

Estamos aí diante de uma teologia totalmente equivocada e, com certeza, não-católica. Perdeu-se de vista a natureza e o sentido da quaresma. Depois, não é de espantar que tão poucas sejam as conversões, tão grande seja a mediocridade e tão mínima seja a alegria que a Páscoa desperta nas almas dos fiéis. É que eles simplesmente já não sabem o que comemorar. Aprenderam que o drama era puramente natural e social. De repente, a Igreja celebra a ressurreição de Cristo enquanto os problemas sociais permanecem. Não é de estranhar a confusão e a pouca motivação.

"Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua Justiça e tudo mais vos será acrescentado." Quando damos prioridade ao terreno, e não ao espiritual, nós invertemos a hierarquia, isto é, objetivamente causamos uma desordem e nenhum bem efetivo pode vir daí. Pretender salvar o mundo pelas próprias forças é condená-lo de vez, porque é cair numa ingenuidade que não convém. "Sede prudentes", dizia Nosso Senhor, como quem diz: "sede mais espertos". Quando, porém, damos prioridade a Deus e permitimos que toda a transformação venha dEle, deixando que esta transformação ou conversão se dê primeiramente em nós, então caem as escamas das ideologias, e, animados pela verdade, aprendemos o modo mais eficiente de causar, também, uma real mudança social, segundo os princípios objetivos do bem.

Para melhor explicar isto, transcrevo uma parte de uma homilia do então Cardeal Ratzinger - a mesma que pus num dos posts precedentes sobre S. José. Escreve ele:

"Hoje não nos agrada que nos falem do céu, porque achamos que isso poderia afastar-nos dos nossos deveres terrenos, alienar-nos do mundo. Pensamos que devemos não só transformar a terra num paraíso, manter os nossos olhos cravados nela, mas até dedicar-lhe por inteiro o nosso coração e as nossas mãos. Mas é precisamente ao fazê-lo que destruímos a Criação. Pois os anseios do homem, por assim dizer a seta dos seus anelos, apontam para o infinito. E continua a ser verdade, hoje mais do que nunca, que nada senão Deus é capaz de saciar o homem. Fomos criados de tal maneira que todas as coisas finitas são insuficientes, que precisamos sempre de mais: de um Amor infinito, de uma Beleza e Verdade ilimitadas.

Este desejo não pode ser sufocado em nós, mas podemos perder de vista a meta. E então procuramos extrair o infinito, a plenitude infinita do finito. Queremos um céu na terra, esperamos e exigimos tudo dela, desta vida e desta sociedade. E na medida em que queremos extrair o infinito do finito, destroçamos a terra e tornamos impossível a convivência numa sociedade ordenada, porque os outros nos parecem obstáculos ou ameaças, já que tiram da vida e do mundo um pedaço que no fundo queremos para nós mesmos.

Só quando aprendermos a olhar novamente também para o céu é que a terra voltará a iluminar-se. Só quando revivermos em nós toda a grandeza da esperança numa vida eterna com Deus, quando voltarmos a ser peregrinos rumo à eternidade e não nos agarrarmos a esta terra, só então a nossa esperança voltará a brilhar também neste mundo e lhe comunicará a esperança e a paz."

Joseph Ratzinger, Homilia sobre São José.

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Enfim, o que concluímos disto? Primeiro: que a CF e todo este movimento de teor naturalista se fundamentam num tremendo reducionismo do ser humano. Segundo: Que ele nubla a nossa condição de exilados. Terceiro: que pretendendo fazer da terra o céu, ele exige dela mais do que pode dar e, daí, termina por agravar a exploração que intenta combater.

Tudo isto é muito grave, mas há particularmente uma passagem do Evangelho que eu considero que deveria fazer tremer os defensores e promotores da CF: "se alguém escandalizar um só desses pequeninos, melhor seria se amarrasse uma pedra ao pescoço e se lançasse no lago" (Mc 9,2). É com tristeza, porém, que vemos que os desviados são muito mais que um. Comunidades inteiras de desavisados e  de pessoas totalmente crédulas, inocentes que consideram a CNBB a voz infalível da Igreja, seguem repetindo os slogans marxistas e assimilando os seus falsos pressupostos.

Para terminar, esclareço que não defendo a abstenção dos movimentos sociais. Não, de forma alguma. Deve haver, inclusive, grupos que ponham um particular acento neste aspecto. Mas tal deve ser feito fora da quaresma e sempre dentro de uma teologia verdadeiramente católica, seguindo os princípios da Doutrina Social da Igreja, e sem reducionismos e ambiguidades.

Rezemos pela Igreja.

Fábio
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*Como se sabe, o marxismo não é simpático à prática da esmola. Mas ela acaba se tornando instrumento didático, enquanto pode ser incentivada como um modo de devolver ao pobre aquilo que lhe foi tirado. Por trás disto, há a concepção falsa de que a apropriação de algo implica sempre num roubo. A caridade, então, seria devolver o objeto deste roubo. Deste modo, segue, sob aparência cristã, a promoção da ideologia que prega contra o direito de propriedade.
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