Diversas vezes, já me referi a uma tentação que considero bem característica deste nosso tempo em que nós, católicos, somos desafiados a vencer as trevas da irrazoabilidade dos inimigos de Deus dando, como pede S. Pedro, as razões da nossa fé. Esta ordem nos impele a, à medida de nossas forças, buscarmos uma sólida formação doutrinária e teológica, o que implica, também, um certo conhecimento dos princípios básicos da Filosofia. Eis, então, que o estudo torna-se caro para os cristãos - não que seja determinante, o que não é - , sobretudo para os que andam a pugnar em nome da Fé.
A tentação a que me referia é, neste contexto, aderir a uma posição devotamente racionalista. Claro que uma boa formação será suficiente para afastar este perigo, mas ainda assim, como esta luta é algo de esteticamente agradável, sobretudo no que diz respeito aos mais preparados, corre-se o risco de, especialmente os neófitos, se voltarem demasiadamente para este aspecto da vida da Fé.
No entanto, é importante saber que, estritamente falando, os nossos conceitos não alcançam a Deus. Por mais altas que sejam as teorias, as imagens, as idéias, etc., elas sempre partilham de um limite. Toda linguagem humana tem, em comum, a prática da circunscrição do seu objeto. Deste modo, como tratar da divindade, que é infinita e extrapola toda definição, utilizando-se da nossa linguagem humana?
É o que narra Sto Agostinho, após o êxtase que teve com sua mãe: "voltamos ao vão ruído dos nossos lábios, onde a palavra começa e acaba. Como poderá esta, meu Deus, comparar-se ao vosso Verbo?"
Dito isto, notamos que toda a palavra sobre Deus, toda a teologia conceitual, ainda que nos diga de modo objetivo verdades reais sobre Deus, apenas o fazem ao modo de analogia. Com isto não há que relativizar a precisão de um conceito. Quando se diz que Deus é Uno e Trino, não se deve dar margens para quartetos ou para disparates de que "Deus é dez".. rs.. Mas, enquanto esta idéia nos informa algo sobre Deus, é preciso reconhecer que o que entendemos disto - ser Deus uno e trino - dista infinitamente da essência divina.
Sto Tomás, tratando do mesmo assunto, nos diz ainda que "a realidade [de Deus] permanece ilimitada e excede a significação do termo". Portanto, se de um lado nos utilizamos dos conceitos pela sua veracidade, de outro devemos reconhecer-lhes a humildade quando tratamos sobre a divindade. Não é isto tender ao irracionalismo; ao contrário. A inteligência, ávida de luz, conhece objetivamente a realidade. Mas haverá de reconhecer que, acima de sua esfera de visão, na "supranatureza", há realidades que a transcendem e que, dada a infinita luz destas realidades, elas como que ofuscam os olhos naturais humanos, assemelhando-se, por isto, a trevas. É como se um sujeito quisesse aproximar-se do sol. Num dado estágio do caminho, seus olhos se ofuscariam pelo excesso de luz.
O conceito nos aproxima de Deus e nos livra de cair em heresias. Mas uma teologia que pretendesse encerrar Deus nos seus axiomas seria herética, e não católica. Se para todo conceito há um limite e se Deus é ilimitado, é forçoso admitir que entre o conceito e Deus há uma distância infinita. Neste sentido, os teólogos negativos aconselham que, para ir a Deus, é preciso despir-se destes limites. Mas, para estar aptos para esta 'nudez', é preciso ter sido guiado a este ponto, precisamente, pelos conceitos. Teologia Positiva e Teologia Negativa, então, não são exatamente opostas, mas indicam, antes, níveis diferentes do processo para Deus.
Os extremos de ambas levam a uma falsa religião. De um lado, o racionalismo ou a crença de que os conceitos esgotam a realidade divina. De outro, o irracionalismo, ou a desconfiança dos conceitos, como se fosse possível entrar naquela 'penumbra' de modo direto. Este tipo de prática mística, não obstante exista quem a defenda, é herética.
Uma vez que se compreende esta questão, nota-se como não há qualquer contradição entre S. Tomás de Aquino e S. João da Cruz, por exemplo. Também Sto Tomás teve uma forte experiência da 'inefabilidade' no fim da vida, o que o fez parar de escrever por considerar que, diante do que tinha visto, tudo quanto tinha escrito era palha. Quem, no entanto, reputar Sto Tomás a um nível baixo somente demonstrará, com isto, ser um cego. Por sua vez, S. João da Cruz nos saúda constantemente, na sua obra, com axiomas tomistas e recomenda, diversas vezes, a própria prática da meditação, que é a observação racional metódica de verdades da Fé. E isto como meio de dispor-se àquela "noite amorosa".
Fique, portanto, claro que a Teologia Positiva é sumamente necessária. No entanto, estudemo-la compreendendo que ela é uma série de afirmações analógicas, ao invés de ser estritamente literal. Somente esta atitude já faz uma grande diferença. Concedamos a Deus o atributo da sua infinitude.
Fábio.
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