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Uma primeira meditação para a quaresma: a vacuidade dos desejos terrenos do Homem

Thomas Merton

Os desejos terrenos tão caros aos homens não passam de sombras. Não há felicidade verdadeira em realizá-los. Por que procurar alegria sem substância? É que para nós a própria busca se tornou um sucedâneo da alegria. Incapazes de repousar em qualquer das nossas obras, resolvemos consolar o descontentamento pelo recurso a sempre novas satisfações. Aqui é o próprio desejo que se torna satisfação. Os bens que tanto desapontam quando em nossas mãos, conseguem estimular-nos o interesse quando nos escapam.

Poucos homens descreveram como Blaise Pascal essa sutil psicologia da ilusão:

"Um homem pode passar a vida inteira sem tédio, simplesmente jogando cada dia uma modesta soma. Dai-lhe cada manhã a quantia que ele poderia ganhar num dia, com a condição de que não jogue: fá-lo-eis infeliz. Podeis dizer que o que ele procura não é o ganho, mas o prazer de jogar. Está bem, fazei-o jogar por nada. Faltará o interesse. Ele morrerá de tédio!

Assim, não é bem a distração que ele busca. Uma distração insípida, sem paixão, só o aborrece. Deseja excitar-se, enganar-se com a ilusão de ser feliz ganhando uma quantia que de fato recusaria se lhe fosse dada com a condição de não jogar. Precisa de criar um objeto a suas paixões e voltar para ele o seu desejo, a sua cólera e o seu medo, com crianças que se assustam com as suas próprias faces pintadas" (1)

Uma vida baseada em desejos é como uma teia de aranha, diz S. Gregório de Nissa. O pai da mentira, o demônio, trança em nossas vidas um frágil tecido de vaidades sem substância, que nos prende e entrega sem defesa. E no entanto, é uma ilusão que poderíamos facilmente romper com um gesto das mãos. Diz S. Gregório:

"Tudo que o homem busca nesta vida só tem existência em sua mente e não na realidade - opinião, dignidades, glórias, riquezas, tudo é obra das aranhas desta vida... Mas os que se alçam às alturas, escapam com um remígio de asas às aranhas do mundo. Somente os que, como moscas, são pesados e sem força, ficam presos ao visgo desta vida e capturados na rede das honrarias, prazeres, louvores e variados desejos, caem nas garras da fera que busca prendê-los." (2)

O tema fundamental do Eclesiastes é o paradoxo que, embora não haja "nada de novo sob o sol", cada nova geração é condenada pela natureza a gastar-se na busca de "novidades" inexistentes.  Esse conceito, trágico como a noção oriental de Karma que tanto se lhe assemelha, contém o grande enigma do paganismo. Só Cristo, só a Encarnação, pela qual Deus entra no tempo e o consagra, pode salvar o tempo de ser um círculo sem fim de frustrações. Só o Cristianismo pode, conforme S. Paulo, "remir o tempo".

S. Gregório de Nissa, prosseguindo suas meditações sobre a psicologia da ilusão e do apego, da visão e do desprendimento, que constituem o seu comentário ao Eclesiastes, observa como o tempo tece em roda de nós essa teia de ilusão. Não é só uma escolha má que o homem faz quando se prende a este mundo. Ele trança em volta do espírito uma rede de falsidades, consagrando todo o seu ser a valores inconsistentes. E esgota-se na perseguição de miragens depressa desfeitas e logo renovadas, que o atraem ao deserto onde morrerá de sede.

E assim, esta "vaidade das vaidades" do Eclesiastes não é só uma vida de aspirações falhadas, mas uma vida de atividade estéril e infindável, em que é a atividade que serve de medida à ilusão! Quanto menos se tem, mais se faz. A alucinação final é o movimento, a mudança, a vaidade, só por si mesmas. "Toda a preocupação dos homens com as coisas desta vida (escreve S. Gregório), é apenas brinquedo de crianças na areia, cheias de prazer enquanto dura o jogo. Logo que a obra se completa, a areia desmorona-se e nada sobra de tantos castelos". (3)

Thomas Merton, Ascensão para a Verdade

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(1) Blaise Pascal, Les Pensées.
(2) S. Gregório de Nissa, Comentário sobre os Salmos
(3) Homilia I sobre o Eclesiastes.
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